“A segurança e saúde do trabalho na Riberalves sempre foram importantes”

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É na Moita, distrito de Setúbal, que a Riberalves tem a maior fábrica mundial dedicada à transformação de Bacalhau. Com 40.000m2 de área produtiva, processa 8 a 10% de todo o bacalhau pescado no mundo. A empresa reformulou a sua estrutura organizacional para garantir uma intervenção mais direccionada nas questões de segurança e saúde. A Security Magazine falou com João Sarilho que assumiu em Março de 2020 o cargo de technical manager HSE da Riberalves. Actualmente, o respons´ável está a apoiar a criação de toda a estrutura de gestão de risco profissional, nomeadamente no que concerne aos requisitos legais e normativos.

Security Magazine – Pode contar-nos a história da Riberalves, bem como a caracterização da sua actividade?

João Sarilho – A história começou nos anos 60, quando o fundador da empresa, João António Alves, ainda jovem, ajudava o seu pai na venda de bacalhau, porta a porta, pelas ruas da baixa de Lisboa.

Mais tarde, em 1985, constituiria a empresa que viria a tornar-se referência no sector do bacalhau. Nasceu aí a Riberalves.

A partir de 1990, a actividade focou-se exclusivamente na indústria e transformação de bacalhau, lançando um primeiro grande investimento: a construção da unidade industrial do Carvalhal, em Torres Vedras, hoje a sede da empresa.

Em 1996 a Riberalves deu o salto para a internacionalização, iniciando a distribuição no Brasil, depois em Angola e no chamado “Mercado da Saudade”, estando hoje presente em mais de 20 países.

Em 2002, com aquisição numa nova unidade de transformação, no Gaio-Rosário, concelho da Moita, a Riberalves avançou para um investimento de 20 milhões de euros no pioneiro processo do Bacalhau Pronto a Cozinhar, lançando novos produtos e antecipando assim as novas tendências de consumo, promovendo a transição do bacalhau salgado seco ao bacalhau já demolhado.

Hoje a unidade industrial da Moita é a maior fábrica mundial dedicada à transformação de Bacalhau, com 40.000m2 de área produtiva, onde actualmente se processa 8 a 10% de todo o bacalhau pescado no mundo.

Qual a importância que a segurança assume dentro do grupo e como está organizado este departamento (a quem reporta, principais funções, quando surgiu)?

A segurança e saúde do trabalho na Riberalves sempre foram importantes. Contudo, com o crescimento de toda a estrutura, do processo produtivo desenvolvido (bacalhau demolhado ultracongelado) e do aumento da exigência interna para continuar a evoluir em matéria de segurança, foi notório o acréscimo da importância no seio da empresa, nunca antes vividos pela organização.

Face a este novo contexto, a Riberalves necessitou de aprender e entender o impacto destes riscos profissionais na organização, começando por reformular a sua estrutura organizacional, para garantir uma intervenção mais direccionada nas questões da segurança e saúde.

Foi dentro desta estratégia, que reforçou a estrutura organizacional com a minha contratação, em Março de 2020, com independência técnica, mas sob a tutela do Departamento de Qualidade já existente na organização, onde se realiza toda a gestão do risco, com apoio de outsourcing em matéria de saúde ocupacional e de segurança no trabalho.

Com a responsabilidade técnica da segurança e saúde na Riberalves, estou a apoiar na criação de toda a estrutura de gestão de risco profissional, nomeadamente no que respeita aos requisitos legais e normativos, assegurando a coordenação das atividades operacionais, nas quais também apoio activamente, contribuindo com a implementação de melhorias técnicas e processuais, fruto da minha experiência profissional, que já conta com duas décadas.

Com os serviços de segurança e saúde organizados de forma externa, conforme modalidade prevista na Lei 102/2009, republicado pela Lei 3/2014, promovo a coordenação e execução das actividades com o nosso parceiro no âmbito dos serviços de saúde ocupacional e as actividades operacionais de segurança no trabalho.

Na sua perspectiva, quais são os grandes desafios a nível de segurança que se vivem diariamente na vossa organização?

São vários os desafios que tenho no desempenho das minhas funções. Em primeiro lugar, a indústria alimentar é uma realidade nova para mim, pois venho de experiências profissionais na indústria da construção civil e obras públicas e na indústria química. Tenho enfrentado, por isso, uma aprendizagem constante, o que considero uma mais-valia ao nível do crescimento profissional.

A unidade industrial da Moita, tal como referido, é a maior fábrica do mundo de processamento de bacalhau. Esta grandeza traz-nos mais responsabilidade e as preocupações ganham outra dimensão.

O processamento de aproximadamente 35.000 ton/ano de bacalhau de origem 100% selvagem, é um grande desafio logístico, tendo um forte impacto na gestão diária da segurança e saúde dos trabalhadores.

Os desafios existentes na segurança, associados à dimensão do nosso processo produtivo, levam a que qualquer desvio possua uma capacidade de dano considerável.

Realizo um exercício diário para manter o foco no trabalho em segurança, com um grande cuidado em tudo o que se faz, mantendo a capacidade de olhar mais à frente, para inovar e promover condições mais seguras para os trabalhadores.

Não dou demasiada importância a grandes projectos ou a grandes conquistas. Dou, sim, valor a tudo o que realizamos, considerando que tudo o que se faz, seja qual for a dimensão (económica, significativa, dimensional, etc.), é importante e representa mais um passo na evolução da cultura de segurança, das condições de trabalho e da saúde de todos.

Dentro da Riberalves, quais são as actividades que merecem mais atenção por parte da equipa de segurança?

Não desvalorizando qualquer actividade realizada na organização, pois o perigo está sempre presente, existem algumas actividades próprias do sector que carecem de cuidados e de atenção mais “clínica”, pela especificidade de como colocam em causa a segurança dos trabalhadores.

Como indústria alimentar, uma área crítica no processo produtivo é a produção de frio (câmaras de temperatura positiva e negativa). O sistema de frio é realizado com recurso à compressão mecânica de amoníaco (NH3), utilizando compressores de parafusos.

A utilização deste gás acarreta riscos a vários níveis que podem afectar severamente as pessoas e meio ambiente, nomeadamente os riscos associados à inalação do gás (irritante / tóxico / corrosivo), o próprio contacto na pele/olhos, mesmo com pequenas quantidades envolvidas (queimaduras químicas), atmosferas potencialmente explosivas, entre outros.

Outra preocupação de segurança são os equipamentos de trabalho.

A indústria do bacalhau é particularmente agressiva para os equipamentos de trabalho, devido ao ambiente que é gerado no processo, nomeadamente ambientes húmidos, com muito sal e temperaturas baixas (negativas).

Em termos tecnológicos, aliar as necessidades de produção em grande escala com os equipamentos disponíveis no mercado é um grande desafio.  

Ainda associado às condições gerais a que os equipamentos estão expostos, a qualidade e segurança alimentar requer que todos os equipamentos sejam lavados diariamente e higienizados, por meio de produtos adequados, previamente autorizados para a indústria alimentar. Este processo de lavagem e higienização expõe diariamente os equipamentos à ação da água, com o consequente risco elétrico associado.

Por sua vez, a acção do sal agrava a corrosão dos equipamentos com uma rapidez superior, mesmo quando é assegurada uma boa manutenção.

Estes riscos levam-nos a tomar cuidados especiais no que respeita aos equipamentos de elevação e movimentação de cargas, nomeadamente os empilhadores e os porta-paletes elétricos (sendo estes construídos em aço-inox), bem como as estruturas de armazenagem em estantaria.

Aqui contamos com suporte externo (outsourcing) na inspecção, manutenção e correcção das situações anormais, garantindo que possuímos condições de segurança nas operações.

Este outsourcing é direccionado à manutenção de empilhadores e porta-paletes eléctricos (stakers), inspecção e correção de estantaria e a inspecção de equipamentos no âmbito da segurança de máquinas e equipamentos pelo Decreto-Lei n.º 50/2005, de 25 de fevereiro.

Outra grande preocupação são as lesões músculo-esqueléticas. As LER (lesões por esforço repetitivo) tem alguma relevância, não sendo o peso das cargas a preocupação, mas os movimentos repetitivos.

São realizados estudos ergonómicos em todas as unidades industriais da Riberalves, os quais, em conjunto com outros factores de risco anualmente avaliados (tais como ruído ocupacional e o ambiente térmico), promovem indicadores para o estudo e a projecção de novos processos preventivos a implementar.

Implementada em 2020, a ginástica laboral foi um ganho na prevenção de lesões músculo-esqueléticas. A boa adesão dos trabalhadores demonstrou um forte interesse e uma avaliação muito positiva em termos de preocupação com a saúde.

Em conjunto com o departamento de melhoria continua, são avaliados os postos de trabalho existentes de forma a maximizar a sua capacidade produtiva e funcional, com menores recursos e desperdícios, e com a minha intervenção, no que respeita às questões de segurança e saúde dos trabalhadores.

Os temas acima referidos possuem peso na preocupação e intervenção da segurança industrial, contudo, todos os outros temas são importantes e alvo de atenção diária.

Tendo em conta que a segurança passa sobretudo pelas pessoas, que estratégias são utilizadas pela organização, e nomeadamente, pelos responsáveis de segurança para implementar uma verdadeira cultura de segurança?

As pessoas são o bem mais precioso de uma organização, nomeadamente para a Riberalves. Afastando qualquer “cliché” na frase anterior, o facto é que a Riberalves tem identificada, nos seus objectivos globais, a segurança dos seus trabalhadores como um dos pontos de maior expressão e importância.

Como responsável de segurança, a minha génese e missão é a salvaguarda da vida humana, valores que me foram transmitidos, não só a nível profissional, mas também na minha formação como pessoa, pela educação familiar e também formação académica e profissional na área da segurança e saúde do trabalho.

Existem diversas estratégias para o envolvimento dos trabalhadores na sua própria segurança, elevando os padrões de segurança da organização.

A Riberalves é ainda auditada no âmbito da responsabilidade social e o comércio ético, pelo referencial SMETA 2 pilares (Sedex Members Ethical Trade Audit), com o intuito de garantir que são cumpridas as boas práticas em relação à segurança no trabalho e das normas laborais.

Estão implementadas algumas accções contínuas, como sejam:

  • A política corporativa, que possui um conjunto de princípios, destacando-se:

– Valorização humana;

– Prevenção de abusos e exploração;

– Transparência e comunicação;

– Promoção da diversidade humana;

– Liderança e excelência;

– Protecção do meio ambiente, segurança e saúde dos trabalhadores.

  • Comemoração do dia Nacional da Prevenção e Segurança, com oferta de um brinde e informação de segurança, baseada na comunicação de incidentes e quase acidentes como processo de prevenção para todas as áreas, incluindo as administrativas:

– Criação de cartazes alusivos às posturas preventivas;

– Espaço dedicado à segurança e saúde na “Ribernews”, newsletter interna para toda organização.

  • Alteração do formato de realização da vigilância da saúde dos trabalhadores, afastando a prestação de serviços de “consulta” de medicina de trabalho, por acompanhamento médico de especialidade, apoio e disponibilidade de enfermagem de trabalho.
  • Consulta e participação dos trabalhadores nas avaliações de risco, nos questionários realizados anualmente. Não só os que são exigidos por lei no âmbito da segurança e saúde dos trabalhadores, mas também na sua vivência e permanência na empresa, contando com questionários de satisfação, de qualidade, etc.;
  • Ainda com relação à participação activa dos trabalhadores, todos os equipamentos de proteção individual são avaliados e submetidas alternativas sempre que necessário. São distribuídas amostras que são utilizadas durante um determinado período, e no final, os trabalhadores envolvidos nos testes descrevem a análise feita aos mesmos, promovendo assim um incremento na participação ativa de todos.
  • Realização de uma campanha inicial de formação em segurança a todos os trabalhadores, incluindo os que, de alguma forma e referente a alguma atividade em específico, não a receberam nos últimos anos, tais como as equipas de autovenda, da área Comercial, com uma formação de segurança rodoviária.
  • Foram realizadas, em 2020, 53 ações de formação; e em 2021, até ao mês de setembro, mais 64 ações realizadas, todas internas:

– Prevenção Covid-19;

– Conceitos básicos em segurança e saúde no trabalho;

– Segurança de máquinas e equipamentos;

– Utilização correta, manutenção e limpeza de máscaras panorâmicas e filtros ABEK1 (teórica e prática);

– Trabalhos em altura (teórica e prática);

– Segurança na manutenção industrial;

– Segurança rodoviária;

– Movimentação manual de cargas;

– Ergonomia.

Em que medida, o Covid-19 afectou a vossa organização e qual foi o papel do departamento de segurança durante este período?

Foi uma “prova de fogo” ter iniciado funções no momento em que surgiu a pandemia de SARS-Cov-2, em março de 2020.

A Riberalves procurou desde logo assegurar condições para a continuidade a actividade, cumprindo assim a sua missão de fornecimento dos seus produtos ao mercado, isto é, de certa forma, estando sempre na “linha da frente”, sem nunca parar de laborar – objectivo que foi cumprido.

Foi uma constante batalha para manter as condições de segurança dos trabalhadores a todo o momento, tendo sempre presente a gravidade do risco psicossocial e biológico que nos afetava, para além dos riscos profissionais do dia a dia.

A própria natureza da indústria alimentar, com enorme rigor e critérios de segurança e higiene, ajudou-nos no desenvolvimento de novos mecanismos de proteção, demonstrando, por outro lado, a importância das regras já existentes.

Não esquecendo toda a aprendizagem sobre os riscos biológicos, foram sempre tomadas medidas em concordância com a nossa realidade e propósito, com uma periodicidade quase diária.

A análise evolutiva dos casos e de todas as diretrizes dadas pelos organismos da tutela foram uma constante, no sentido de saber filtrar e fornecer uma comunicação transparente e correta aos trabalhadores, o que foi um grande desafio.

Apesar de implementar todas as medidas impostas pelo estado português, já possuíamos, por força da nossa forma de trabalhar e dos nossos processos e protocolos de qualidade e segurança alimentar, barreiras de segurança que promoviam a prevenção de eventuais contágios.

Que projectos ou novas iniciativas estão a ser desenvolvidos pela Riberalves que contemplem a área da segurança?

Todas as pequenas ações somadas são, no final, um grande feito e o deslumbre de um caminho evolutivo conquistado. Tal como referido, o foco são todas as acções realizadas sem dar importância apenas às grandes conquistas ou os grandes projectos. No final, é o somar de tudo que garante condições de segurança e saúde aos trabalhadores. Tal como diz o provérbio, “Roma e Pavia não se fizeram num dia”, ou como Darren Rowse escreveu “tome alguma iniciativa e saia da passividade, pequenas acções consistentes têm impacto”.

São muitos projectos e iniciativas que se tornam realidade, mas, pela sua dimensão, nem sempre têm visibilidade por si só. Contudo, é a soma de todas estas ações que nos faz crescer continuamente.

Por considerar importante tudo o que se faz, a comunicação transparente tem um papel fundamental junto dos trabalhadores, e existem momentos em que é necessário relembrar as conquistas e promover novas acções.

Assim, sem dar grande foco à dimensão dos projectos, partilham-se as iniciativas em curso e futuras:

– No âmbito da inexistência de equipamentos para corte de bacalhau à escala de uma produção massiva, promoveu-se em conjunto com um fabricante a construção de um protótipo de mini-cutter para a realização do corte de bacalhau em segurança.

Passados vários meses de projecto, testes e certificações, foram construídos 4, que já estão ao serviço, eliminando uma quantidade substancial de serras de fita, elevando a proteção dos trabalhadores;

– Realização de palestras de sensibilização sobre segurança direccionadas à Administração e quadros médios e superiores, com o objectivo de apelar à participação, envolvimento e compromisso para com a segurança da organização;

– Instalação de chuveiros e lava-olhos nas salas técnicas, reforçando as medidas de primeira intervenção na segurança dos operadores;

– Reforço da disponibilização de meios de primeiros socorros nas salas técnicas, com materiais adequados face ao risco do local;

– Reforço da formação qualificante para as equipas de primeira intervenção, nomeadamente aos socorristas, equipas de evacuação e equipas de combate a incêndios e ocorrências industriais (derrames, etc.), em concordância com as medidas de autoproteção;

– Formação habilitante de operadores de equipamentos de elevação de cargas, renovando os conhecimentos dos operadores de empilhador e a formação de novos operadores, contando com uma acção específica para operadores que utilizam os empilhadores retrácteis;

– Formação complementar à formação de trabalhos em altura, já realizada em 2020, nomeadamente a formação habilitante para operadores de plataformas elevatórias, destinada aos elementos da manutenção industrial e alguns operadores, que poderão necessitar de realizar tarefas em altura, recorrendo a equipamentos de elevação de pessoas (plataformas elevatórias, articuladas e tesouras elevatórias);

– Reforço dos meios de combate a incêndio específicos, através da aquisição e disponibilização de carros de espuma de média expansão, para as salas técnicas, reforçando a capacidade de protecção em caso de incêndio;

– Construção de sistema seguro de travamento de rodízios dos camiões e atrelados nos cais de descarga nivelados. Mesmo com as evoluções tecnológicas nos novos equipamentos, há que garantir que nada falhe na segurança dos nossos trabalhadores, nas operações de estivagem.

São apenas algumas acções, em curso e outras em fase de projecto, que somadas serão mais barreiras de segurança para evitar ou mesmo eliminar riscos profissionais.

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