Os acidentes de trabalho não tiram férias

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Por Daniela Lima, PhD in Organizational Behaviour & University Professor | Safety & Occupational Accident Investigation Expert | Organizational Behaviour & Human Decision Processes

O mês de agosto tem-se caracterizado ao longos dos anos por ser o mês que, tendencialmente, grande parte dos portugueses elegem como o seu mês de férias. Alguns, por força das circunstâncias, na medida em que a maior parte das escolas, ATL´s e colégios se encontram encerrados, outros porque é o  mês do regresso dos familiares emigrados a Portugal, outros porque é o mês das festas e romarias das suas vilas e aldeias espalhadas pelo país, ou quem sabe porque é dos meses do ano o mais quente e, consequentemente, o mais vibrante para os adeptos da praia e do sol. Nesta sequência, também eu, por força das limitações da profissão e das minhas responsabilidades sou obrigada a eleger o mês de agosto como o meu período de “descanso” e leituras.

Confesso, que este ano me senti particularmente feliz, na medida em que as férias seriam mais próximas da realidade a que estávamos habituados a usufruir e, que não se caracterizariam pelo conjunto de limitações que experienciámos nos últimos anos. Posto isto, foi um balde de água fria quando estou a ler um dos principais periódicos em contexto nacional que anuncia em letras garrafais que, até ao dia 16 de Agosto de 2022, tinham sido registados 62 acidentes mortais (fonte Autoridade das Condições de Trabalho). O mesmo periódico convida o leitor a fazer o exercício de dividir este valor pelo número de meses do ano (62 AM/8 meses), e afirma de forma perentória que, em média, morrem 2 trabalhadores por semana em Portugal. São números assustadores, são vidas a lamentar, são muitas famílias por consolar e explicar o que correu mal. Sim, estes trabalhadores que pereceram, tal como as suas famílias, os colegas de trabalho e a sociedade precisam de respostas válidas, não de “culpados”, mas sim de responsabilizar quem de direito pela ocorrência dos acidentes de trabalho. A compreensão das causas que estão na origem dos acidentes permite aprender e evoluir em matéria de segurança no trabalho e fechar as feridas que permanecem abertas.

Desta forma, não interessa endereçar a responsabilidade pela ocorrência de acidentes de trabalho responsabilizando o trabalhador (erro humano), as chefias, os técnicos de segurança no trabalho ou a empresa. Sabemos que a inevitabilidade também não serve como resposta: é usual ouvirmos que é a tradição ou o hábito (é típico este comportamento no setor da construção civil), ou não existe uma cultura de segurança ou “às vezes acontece”. Estas respostas não servem para explicar o acidente de trabalho, nem vão gerar soluções inovadoras, nem reformas estruturais que apoiem esta mudança de mind set.

No meu humilde entendimento, impõe-se uma nova forma de olhar para o problema, numa lógica da responsabilidade partilhada por todos, em que se procura identificar as causas atendendo às variáveis contextuais, ao fator humano, ao conjunto de dispositivos de segurança existentes e a todas as dimensões que eventualmente possam contribuir para compreender o que possa ter convergido como potencial para gerar o acidente de trabalho. Impõe-se de uma vez por todas, que de forma séria e que não vise o lucro ou o reconhecimento pessoal, se trabalhe no sentido de desenvolver uma metodologia(s) de investigação e análise de acidentes de trabalho credível e, consubstanciada pela investigação científica e validada pelos profissionais. Para que a análise das possíveis causas, dos processos técnicos envolvidos, das variáveis individuais, das variáveis de contexto e a variabilidade dos sistemas sociotécnicos produzam as respostas mais adequadas que permitam adotar as ferramentas de prevenção ajustadas para mitigar futuros acidentes de trabalho.

Como profissional e investigadora na área da segurança no trabalho, é com profundo pesar que acredito que, independentemente de o número de acidentes mortais estarem abaixo dos anos anteriores nos períodos homólogos, com toda a certeza que não serve de consolo para as famílias dos trabalhadores que pereceram vítimas do sistema profundamente viciado que procura sistematicamente encontrar bodes expiatórios.

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