Paulo Rebelo Manuel, coronel da GNR (reserva), é professor auxiliar convidado do Instituto Universitário Egas Moniz e coordena uma pós-graduação sobre Análise de Informações – Prevenção e Investigação do Crime na Universidade Egas Moniz. “O único curso específico em Portugal” direccionado para a Análise de Informações Criminais, a ser leccionado em meio universitário, avança à Security Magazine. Como aponta, este curso visa “colmatar uma lacuna de formação identificada no sistema nacional, particularmente no meio empresarial”, assim como “incentivar a promoção da importância da análise de informações criminais no contexto da segurança e investigação e prevenção do crime”.
Security Magazine – Qual a motivação para criar este curso de pós-graduação de análise de informações criminais, prevenção e investigação do crime?
Paulo Rebelo Manuel – Tomei conhecimento mais aprofundado com a Análise de Informações quando frequentei o curso superior de Informações da Guardia Civil em 1999. A partir daí frequentei vários cursos sobre a temática da Análise de Informações e Análise de Informações Criminais em vários países da Europa.
Desde essa altura, em especial quando desempenhei funções de analista e de responsável pela análise de informações criminais na estrutura central da Investigação Criminal da Guarda Nacional Republicana (GNR), acredito que o papel da análise de informações é fundamental para o apoio e sucesso das investigações criminais mais complexas e, bem assim, primordial para a prevenção e estudo do crime.
Como Comandante Territorial de Setúbal (2016 a 2019), reforcei a minha convicção de que a estrutura da análise era indispensável para o apoio da investigação e da prevenção criminal.
A experiência e o conhecimento dos analistas, que anteriormente tinham sido investigadores, a par da utilização avançada de software, designadamente o Analyst’s Notebook da i2, evidenciaram a sua importância e tornaram-se indispensáveis para os investigadores e para o apoio à minha decisão enquanto Comandante da Unidade, quer no âmbito da investigação quer da prevenção criminal.
Terminada a minha carreira no activo da GNR em 2020, considerando que sempre acreditei na real importância da Análise de Informações Criminais, mediante a proposta que então apresentei ao Instituto Universitário Egas Moniz, passei a ministrar como professor auxiliar convidado a unidade curricular de Análise de Informações Criminais e Forenses no terceiro ano da Licenciatura em Ciências Forenses e Criminais.
A realidade da Análise de Informações Criminais em Portugal está muito centrada nas Forças e Serviços de Segurança, em que os seus analistas são formados em cursos de análise internos ou frequentados em polícias no estrangeiro. Importa referir que a sistematização e a conceptualização da Análise de Informações Criminais são recentes. No caso da Europa, deu os primeiros passos nos anos 70 do século XX e sedimentou as técnicas nos anos 90.
Em Portugal, fui verificando um incremento de interesse por esta matéria no início do século XXI, quer pelas instituições do Estado que não são polícias, quer pelo meio empresarial, em particular naquele relacionado com a segurança. Porém, desde cedo e paradoxalmente, fui constatando a evidente escassez de instituições a garantir formação técnica e especializada na matéria, quer sejam instituições públicas ou privadas, em especial, no ensino superior.
Pela minha experiência profissional e reflexão académica sobre a importância da Análise de Informações Criminais, fiquei convicto da necessidade de criar uma formação técnica especializada e suportada igualmente no conhecimento da Ciência, antevendo e facultando ao meio empresarial e instituições do Estado a possibilidade de formar analistas de informações para criar e desenvolver estruturas de Análise de Informações Criminais. Ainda, não sendo um curso especificamente vocacionado para os elementos das forças policiais, mesmo assim, estes podem actualizar ou aprofundar o seu conhecimento nesta temática – o último curso, foi frequentado por uma inspectora da Polícia Judiciária, uma outra que está no curso de formação daquela polícia e duas alunas de uma empresa tecnológica portuguesa que desenvovlve produtos para Análise de Informações Criminais.
Em resumo, o curso foi criado para colmatar uma lacuna de formação por nós identificada no sistema nacional, particularmente no meio empresarial. Tem também em vista incentivar a promoção da importância da Análise de Informações Criminais no contexto da segurança e da investigação e prevenção do crime, antecipando o movimento formativo nesta área profissional que acreditamos que se irá verificar.
Assumimos que este nosso curso é inovador, sendo o primeiro e o único curso específico em Portugal, pelo menos até ao momento, a leccionar o tema da Análise de Informações Criminais em meio universitário.
Sendo este curso uma novidade em Portugal onde foi encontrar os docentes?
A qualidade e a experiência dos docentes são princípios e pilares chave para o sucesso da formação, e este curso não é excepção.
O curso tem uma duração de 270 horas lectivas, contando com 17 docentes com origem no mundo académico, policial, militar, empresarial, do jornalismo e da magistratura judicial e do Ministério Público. Para além dos Professores do Instituto Universitário Egas Moniz, contamos também com docentes convidados de outras universidades, destacando-se a Universidade de Évora, e do meio empresarial, nomeadamente a MKCVI e o Auchan Retail Portugal. Participam ainda palestrantes convidados com experiência da realidade criminal e em Análise de Informações Criminais. Ou seja, procurámos juntar a experiência, o conhecimento técnico e tecnológico com o saber da Ciência, num equilíbrio e dinâmica que a multidisciplinaridade potencia e integra.
Quais as principais competências que os alunos desenvolverão ao longo do curso?
O cerne da actividade de um analista de informações criminais é pensar sobre o problema, em regra complexo, que lhe é apresentado ou por ele identificado. Bom, mas não é só pensar. É saber pensar bem. Para tal, além das características intrínsecas de cada um e da sua experiência profissional, importa também desenvolver essas capacidades inatas e as competências para o desempenho da função.
O objectivo geral do curso é claro para a questão colocada: “Habilitar os estudantes com conhecimento científico e competências técnicas fundamentais e avançadas de modo a reconhecer, interpretar e aplicar os métodos e as técnicas de Análise de Informações na prevenção e na investigação do crime, de forma autónoma ou integrados numa equipa de trabalho. Efectuar sistematicamente abordagens metódicas, interdisciplinares, utilizando o pensamento crítico e em linha com o exercício ético-legal da actividade profissional.”
Quanto às competências que irão desenvolver, os objectivos específicos identificados no curso e que decorrem do exercício da função de analista de informações, são resumidamente as seguintes: aplicar os princípios ético-legais e o respeito pela privacidade dos dados pessoais; caracterizar as práticas delituosas e os métodos e técnicas de prevenção e investigação do crime; aplicar o conhecimento científico à compreensão, análise e interpretação do problema criminal em estudo; aplicar técnicas avançadas de análise; reconhecer o impacto dos vieses cognitivos no processo de raciocínio humano; interagir e comunicar proficientemente; utilizar os instrumentos de tecnologia digital avançada na pesquisa e no tratamento de dados; utilizar o software Analyst’s Notebook; aplicar o método científico e interpretar dados recorrendo a métodos e técnicas estatísticas. Ou seja, no final do curso estão habilitados a desempenhar as funções de Analista de Informações no contexto da prevenção e investigação do crime – para uma melhor identificação do desenho do curso, sugiro a consulta em no site.
Uma última nota, o analista deve ser um profissional de confiança, responsável, interessado pelo estudo, com uma mente aberta e uma personalidade de facilitador e, acima de tudo, alguém que não quer protagonismo, nomeadamente no sucesso. Parafraseando e seguindo George Saville Halifax, “O verdadeiro mérito é como os rios: quanto mais profundo, menos ruído faz”.
Na sua perspectiva, como está o mercado de trabalho de analistas de informações criminais em Portugal? Há uma procura crescente por estes profissionais?
Importa reafirmar que a minha experiência profissional foi na GNR. No entanto, principalmente após estar na situação de reserva (2020), procurei aprofundar, pesquisar e reflectir sobre a Análise de Informações Criminais para além das polícias. Nesse sentido, considero que, para além da reconhecida maturidade das estruturas de Análise de Informações das polícias e dos serviços de informações, nos outros sectores (seja Estado ou privados) esta actividade está muito embrionária, em parte pelo desconhecimento/ sensibilização dos decisores para o seu real valor e impacto nos resultados.
Acredito que subsiste também a lacuna de termos pouca massa crítica de pessoas formadas em Análise de Informações Criminais e só com o seu incremento e motivação os resultados serão demonstrativos para os decisores.
O nosso curso pode constituir uma importante fonte para o crescimento do número de analistas em Portugal.
Na Europa e nos Estados Unidos existe uma procura grande por este tipo de profissionais e a remuneração é elevada. Por exemplo, no Reino Unido e nos Estados Unidos, bem como na Europol, uma parte dos Analistas de Informações Criminais são “civis”, leia-se não polícias. Neste contexto e para criar condições de atractividade e de investimento por parte dos decisores em estruturas de Análise de Informações, a formação constitui um dos principais precursores.
Quais os principais desafios que os analistas de informações criminais enfrentam actualmente?
Existem realidades que decorrem do tempo em que vivemos nesta Era Digital e da Inteligência Artificial: produção e armazenamento impressionante de dados; dúvida sobre o que é verdade; constante e acelerada evolução digital e tecnológica; não existência de fronteiras, compressão do tempo e das distâncias.
A dinâmica do nosso mundo contemporâneo requer do analista de informações, além da experiência profissional e da formação inicial, uma constante actualização de conhecimentos. O acesso ao conhecimento é, ainda na sua maioria, externo às organizações onde trabalham, o que na maior parte dos casos implica investimento monetário pessoal.
Por outro lado, as estruturas de Análise de Informações Criminais ou o próprio analista, deverão estar em permanente estudo sobre técnicas, tecnologias e a evolução de outros recursos que permitam maior sucesso. A afirmação e o reconhecimento da importância e da necessidade da existência de estruturas de Análise de Informações Criminais pelo decisor passarão por certo pela qualidade do trabalho produzido.
Como vê a evolução do uso de técnicas e tecnologias de análise de informações criminais em Portugal?
A tecnologia e instrumentos tecnológicos são indispensáveis a par da importância de o analista saber pensar e da qualidade dos dados, sendo estas em grande parte o segredo. Mas existe uma outra, menos visível, mas com repercussões significativas na actividade do analista: o decisor.
A actualização tecnológica, a formação e a técnica são relevantes, mas não é tudo. Um bom decisor deverá ter a capacidade de visão, de extrair e potenciar a sua estrutura de análise de informações criminais. Um decisor que não reconheça a importância da estrutura e das pessoas que lá trabalham, terá como consequências a falta de resultados e a desmotivação.
Saindo desta minha deriva inicial à questão, é indiscutível que o uso das tecnologias é fundamental para um analista. Por isso, a Pós-Graduação já integra o curso de Analyst’s Notebook e outros softwares livres de pesquisa em fontes abertas (OSINT) e de tratamento e apresentação de dados. O curso é ministrado pela empresa MKCVI, representante e entidade formadora deste software em Portugal. Aliás, o curso ministrado tem a mesma carga horária dos cursos ministrados às polícias.
Portugal também está a desenvolver software de referência no âmbito da Análise de Informações Criminais. Por exemplo, existe software de pesquisa em fontes abertas e em redes sociais que foi desenvolvido por uma empresa tecnológica portuguesa que integra o Analyst’s Notebook. Este Plug-in está a ser usado em instituições do Estado, do meio empresarial, em Portugal e em vários países do mundo.
Para um analista de informações criminais, a utilização e a necessidade dos recursos tecnológicos é idêntica, estejamos em Portugal ou em qualquer outro ponto do mundo. E nesse sentido, a evolução tecnológica e a adaptação das técnicas de análise a realidade estão em permanente evolução.
Existem colaborações internacionais ou planos para integrar melhores práticas globais no plano curricular deste curso?
Sim, estão em curso contactos internacionais e a aproximação a várias universidades europeias.
O nosso curso integra a dimensão académica, a técnica e a de especialização avançada em Análise de Informações Criminais o que constitui um modelo singular daquilo que conhecemos. Esta nossa inovação e antecipação ao movimento formativo afirma-se como um factor de reconhecimento e de especial interesse, não só de entidades internacionais académicas, mas também de outras.
Na sua opinião, qual o impacto que os profissionais formados por este curso poderão ter na prevenção e investigação de crimes em Portugal?
Em primeiro lugar acredito que a formação adquirida no nosso curso, permite que possam exercer a função de analistas de informações criminais no imediato. Estes novos analistas, estão preparados para contribuir para o estudo e para o exercício da sua actividade quer no plano da prevenção do crime, quer da investigação do mesmo. Aqui, os analistas podem colaborar directamente no âmbito da investigação criminal, nas polícias ou noutras entidades, magistraturas, advogados, entre outros. Igualmente, estes analistas constituirão recursos com formação adequada e diferenciada para o meio empresarial.
Acredito que o passo seguinte passa por uma maior divulgação selectiva da actividade de Análise de Informações Criminais junto destas entidades e instituições, e uma divulgação mais genérica junto dos jovens de modo a identificarem a Análise de Informações como uma possível carreira profissional.
Portanto, os analistas formados, neste caso numa universidade, constituem um aumento de recursos humanos habilitados para contribuir para a redução do crime. Aqui, as empresas poderão encontrar profissionais habilitados para iniciar desde já as respectivas estruturas de Análise de Informações Criminais ou, caso já existam e não queiram recrutar fora, permitir que os seus colaboradores frequentem o nosso curso de Pós-graduação.
Como vê o futuro da análise de informações criminais em Portugal nos próximos 5 a 10 anos?
Quando olhamos numa perspectiva mais fina, constata-se que decorre uma evolução, apesar do seu ritmo não seja ainda o mais desejável. Antes já havia referido a existência de três elementos relevantes para o futuro crescimento e afirmação da Análise de Informações Criminais: o número de analistas; a formação em análise; o decisor.
Quanto ao primeiro, o número é escasso, principalmente fora das polícias. Relativamente ao segundo, as entidades formadoras cingem-se às polícias, sendo o nosso curso o precursor da formação em Análise de Informações Criminais no meio académico e mesmo na aplicação profissional. Por fim, o decisor. Este, para mim, é o mais marcante, pois, é quem decide sobre a criação das estruturas de Análise de Informações, sobre o orçamento para a formação e quem deverá orientar e decidir sobre os objectivos e “alvos”. Tal como no assumir responsabilidade nas decisões tomadas e na motivação dos analistas que o apoiam.
Por exemplo, no meio empresarial, o estudo das ameaças, dos perigos e riscos no contexto da segurança, é uma tarefa de resposta e de predição por parte da estrutura de Análise de Informações Criminais. Deste modo, os analistas assumem a responsabilidade pela orientação e pelo apoio à decisão fundamentada não só na experiência profissional, mas também no conhecimento e no domínio das técnicas de Análise de Informações Criminais.
Olhando para o futuro (5 a 10 anos) da actividade de Análise de Informações Criminais, acredito que a mesma se irá afirmar transversalmente nos vários sectores da segurança e da justiça, com a complementaridade do privado. Para tal, requer o aumento do número de analistas com formação especializada e decisores informados das potencialidades da Análise de Informações Criminais.
Também, para se atingir esse objectivo, antevejo a necessidade do envolvimento e de relações estreitas e permanentes entre a academia, o meio empresarial e tecnológico e as instituições do Estado.
Acredito que o nosso curso de Pós-Graduação em Análise de Informações Criminais dá um contributo relevante para a afirmação do tema, quer na perspectiva académica, técnica e profissional onde o envolvimento referido já está garantido pelo desenho do curso e docentes conhecedores da realidade e com conhecimento transversal na investigação e prevenção do crime.
Por certo que daqui a cinco anos todos estaremos mais aptos e Análise de Informações Criminais será mais do que uma oportunidade.
Que mudanças ou inovações gostaria de ver nesta área para fortalecer a prevenção e investigação criminal?
Que a função Analista de Informações Criminais se constituísse como uma actividade profissional em áreas relacionadas com a prevenção e investigação do crime, quer no meio empresarial, quer no Estado.
No caso das instituições policiais e da justiça, e esse poderia ser o primeiro passo, tal como já acontece no plano internacional, integrem analistas não polícias na sua estrutura. Não sendo polícias, trazem visões e conhecimentos diferenciados, mas complementares.
Nas empresas, procurar, de uma forma estruturada, a atenção dos decisores e dos interessados neste tema para acreditarem e apostarem na concreta criação de estruturas de Análise de Informações Criminais.
Por fim, após 30 anos de vida profissional na GNR e mais recentemente na universidade, considero que valor mais importante na nossa vida e também na Análise de Informações Criminais é a CONFIANÇA. Quando esta falha, tudo cai, peça sobre peça, incluindo os pilares estruturais. A confiança é um dos pilares-chave da nossa vida.
Estou certo de que o Analista de Informações Criminais, com o perfil adequado, experiência e formação na área, garante à instituição e ao decisor o pilar da confiança.