Um País Seguro, à beira-mar plantado…

Notícias Opinião

Por José António Meneses, Presidente da Associação dos Directores de Segurança de Portugal

Temos assistido, nos últimos tempos, à confirmação do que eu (e não só) tenho dito e escrito, nomeadamente, de que os números sobre a criminalidade participada, constantes no RASI[1] e/ou em outras fontes, só servem para promoção do turismo e “vender” um sonho de que Portugal é o terceiro ou o quarto país mais seguro do mundo, bem como para transmitir um falso sentimento de segurança às populações, tirando automaticamente o investimento e eventuais restruturações de fundo necessárias nas forças e serviços de segurança e emergência, da agenda político-mediática.

Sem qualquer tipo de alarmismos, uma vez que isto não resolveria nada e tem servido de desculpa para se fugir ao assunto, já há muitos anos sabemos que os hospitais não são seguros, principalmente para quem lá trabalha; que a pequena criminalidade, nomeadamente o furto, burla, etc., não reduziu, simplesmente desapareceu dos tribunais, consequência da alteração ao Código Penal, introduzida pela Lei 19/2013 de 21 de fevereiro, uma vez que desincentivou a apresentação de queixa-crime, tornando-a muito dispendiosa e com poucos efeitos práticos, logo, não aparece no RASI; que há zonas nas grandes cidades onde não se consegue circular livremente sem receio de se ser assaltado; que há zonas nobres e típicas das cidades, como por exemplo o Chiado, Camões e Bairro Alto (cidade de Lisboa), em que o tráfico à vista de toda a gente, tal como os carteiristas, são uma realidade alarmante, principalmente para mim que nasci nessa zona; que ver material circulante de companhias de transportes, propriedades privadas e até monumentos grafitados, são sinais por demais evidentes de vandalismo, aliás e a este respeito, seria bom que responsáveis políticos atentassem na “The Broken Window Theory”[2], que serviu de base para o Mayor de NY, Rudy Giuliani, criar uma “Anti-Graffiti Task Force in 1995”[3] e talvez consigam rever os seus níveis de confiança excessiva no sentimento de segurança, que dizem existir nas grandes metrópoles em Portugal.

Podíamos, ainda, referir os sinais que os homicídios macabros e levianos, que temos assistido ultimamente, nos podem revelar, bem como o constante desprezo pela autoridade do estado, manifestado, nomeadamente, em atitudes levadas a cabo contra elementos das FSS[4].

Face a este cenário, o que é que tem sido feito? Nada! Assobia-se para o lado e olha-se para o mar, tentando não pensar nesta realidade! Faz-se umas alterações legislativas em cima do joelho e continua tudo na mesma!

Aparecem alguns “especialistas” de determinados observatórios que, em bom rigor, ao fim destes anos todos, não percebemos para que servem ou que valor é que aportam neste domínio, a não ser para um determinado grupo de pessoas se autopromover, dizendo umas coisas nas televisões, na esmagadora maioria sem conteúdo nenhum ou cimentado em chavões.

A este propósito, basta ver a análise feita por dois observatórios aos incidentes que ocorreram há uns dias em Guimarães, envolvendo elementos de uma claque croata (alegadamente com a ajuda de elementos de uma outra Portuguesa), na véspera do jogo entre o Vitória de Guimarães e o clube croata Hajduk Split para a segunda mão da terceira pré-eliminatória da Liga Conferência Europa. Um observatório aponta o dedo à PSP, que, note-se, neste âmbito tem feito um trabalho exemplar ao longo dos anos, dizendo que aquele comando em particular falha muitas vezes.

Ridículo! Quem falha é o estado que não dá meios à PSP (e às forças de segurança em geral), escudando-se num rácio de 200,6 polícias por 100000 habitantes (falando só na PSP)[5].

O que normalmente não se considera, quando se compara com a realidade de outros países desenvolvidos, principalmente europeus é quantos destes agentes estão em serviço administrativo? Quantos estão de baixa? Quantos estão em comissão de serviço noutras entidades? Quantos estão com licença sem vencimento? Ainda acrescem os gratificados ou remunerados, como lhe queiram chamar, ao serviço normal que têm de desenvolver, sem os quais muitos destes polícias não conseguiriam subsistir, dados os salários vergonhosos que as Forças de Segurança auferem, o que noutros países não acontece!

Voltando às doutas análises dos “especialistas”, um representante de outro observatório veio referir, num prestigiado canal de televisão, que a culpa dos incidentes é do sistema, fazendo-me lembrar um determinado presidente de clube de futebol.

Então, justificando, dizia que o que aconteceu em Guimarães, deveu-se ao facto de não haver “agente de ligação” que tivesse acompanhado aquele bando de arruaceiros (palavras minhas), começando a divagar para o Euro 2004 que, apesar de não ter a mínima ideia de como a segurança foi organizada nesse evento, dado que nem como ARD participou, apenas teve acesso ilegítimo a uns PowerPoint, arroga-se no direito de abordar esta temática, do alto da sua cátedra.

Para além de desconhecer completamente do que fala, também não prestou qualquer atenção aos esclarecimentos prestados pela PSP. Se estava a referir-se ao agente de ligação que consta na Resolução do Concelho da União Europeia, de 6 de Dezembro de 2001, relativa a um manual com recomendações para a cooperação policial internacional e medidas de prevenção e luta contra a violência e os distúrbios associados aos jogos de futebol com dimensão internacional em que, pelo menos, um Estado-Membro se encontre envolvido que refere: “…O centro nacional de informações sobre futebol ou o serviço de polícia do país organizador manterão comunicação ao longo de todo o campeonato e/ou jogo com o(s) serviço(s) nacional (nacionais) de polícia do(s) país(es) implicado(s) através do agente de ligação designado e colocado à disposição pelo país em causa, se estiver previsto esse sistema de agentes de ligação. O agente de ligação poderá ser contactado nos domínios da ordem pública, do vandalismo violento no futebol e da criminalidade em geral, incluindo o terrorismo, desde que possa ser estabelecida uma relação com um jogo ou torneio de futebol específico…”, de entre outras coisas.

Mas cabe na cabeça de alguém que não existisse um agente de ligação croata em contacto permanente com a Polícia Portuguesa?! Não terá eventualmente percebido que estes adeptos chegaram por via terrestre e que queriam chegar incógnitos para desenvolver as atividades que planearam? Será que não se recorda que já não há controlo nas fronteiras? Será que não reparou que vieram adeptos em várias viaturas e que era impossível haver um agente de ligação a acompanhar todas as viaturas que vieram por si? É que os que chegaram por via aérea foram acompanhados pela PSP.

Bem, ficando-me por aqui, este exemplo de Guimarães é deveras demonstrativo da falta de meios que assola as nossas forças de segurança. Ou seja, como é que em pleno verão o centro histórico de uma cidade como Guimarães, não tem policiamento visível, mesmo sabendo que no dia a seguir ia haver uma competição internacional? Precisamente por isso, provavelmente, porque no dia seguinte iam ser necessários bastantes efetivos e “a manta não estica”.

Também ouvi dizer que houve falta de coordenação pelas FSS, uma vez que a GNR também podia ser utilizada. Mas para se pedir ajuda antecipadamente não era necessário prever que aquela situação fosse ocorrer? Por outro lado, isto é “tapar o sol com a peneira”, uma vez que a GNR também sofre do mesmo mal e tampouco tem efetivos para cumprir as suas missões (há casos em que de noite nem há patrulhas na estrada). Ou já todos nos esquecemos do caso de Reguengos de Monsaraz e a famosa questão dos “horários de referência”. A este propósito, é feita uma esclarecedora análise pelo Sr. Coronel Carlos Manuel Gervásio Branco, publicada no Observador[6].

Num país em que as FSS são constantemente desvalorizadas, quer pelo “jornalixo”, quer pela opinião pública ou pelo poder político, em que é feita uma constante perseguição ao sensacionalismo que ações policiais podem ter e sem que se tenha em linha de conta o impacto que essa notícia, informação ou comentário possa ter na opinião pública e na “desvalorização” de instituições fulcrais para o garante de um estado de direito democrático, sem que ninguém tenha coragem para defendê-las, até mesmo aqueles que têm o dever de o fazer, está tudo dito!

É um país em que um telemóvel é mais eficaz do que uma Glock, a não ser que esta esteja na mão do bandido! É um país em que se dá força a quem resiste a uma detenção, colocando a integridade física dos agentes e de terceiros em causa, quando aparece um jornaleiro a perguntar nas redes sociais “…quando é que isto acaba…”. Eu pergunto ao jornaleiro, o quê? O desrespeito por uma ordem lícita dada por um representante e ao serviço do estado? Pois, sinceramente não sei, mas com atitudes como a sua (e não só), não me parece que para breve! Como se não bastasse, a hierarquia apressa-se, como se tivesse medo da opinião pública ou da hierarquia, informando de que vai abrir um inquérito à atuação da PSP… enfim!

Não podíamos deixar de abordar outro tema que parece que é tabu e quem tem responsabilidades enfia a cabeça na areia. Será coincidência o número elevado de suicídios nas forças de segurança? Este é mais um sinal evidente do abandono e de desconsideração por estes profissionais. É que ainda não consegui ouvir nenhuma proposta concreta que vise combater este flagelo, mesmo daqueles que se autointitulam defensores das FSS. Neste âmbito, porque não criar uma linha anónima de apoio a estes profissionais e gerida por profissionais de saúde, que estão abrangidos por sigilo profissional?

É por tudo isto, caros leitores, que não há ninguém que queira concorrer, principalmente às forças de segurança. Enquanto não se criarem condições para que os agentes e guardas se sintam devidamente valorizados, distinguindo positivamente a difícil e louvável profissão que escolhem; valorização essa que tem de começar com o aumento do pacote salarial destes elementos, equiparando-os, por exemplo, ao da nossa vizinha Espanha, em que as diferenças do custo de vida já não são assim tão evidentes; permitindo que os agentes e guardas não tenham de recorrer a gratificados para compor o seu salário, deixando-os mais disponíveis e motivados para o serviço público, deixando, desta forma, o estado de transferir para os privados o ónus de comporem os salários das forças de segurança.

Pode perguntar-se de onde vem o dinheiro para este aumento de salários, mas são contas muito fáceis de fazer. Os gratificados que podem deixar de ser feitos pelas forças de segurança, teriam de ser asseguradas pelo sector da segurança privada, sector que tem toda a capacidade para o efeito, não sofresse do mesmo estigma que as FSS sofrem e que necessita de ser dinamizado, acompanhando a realidade dos países desenvolvidos. Ora, desta forma e não entrando no detalhe das contas, aqui quem de direito que as faça, havia um encaixe direto para o estado ao nível do IRC das empresas, IRS dos trabalhadores e SS, uma vez que aumentava as receitas dos impostos e reduzia em muito as despesas com subsídios, nomeadamente de desemprego. Em relação aos gratificados mais havia a dizer, mas ficará para outra altura.

Há que encarar, sem estigmas que o sector da segurança privada, conforme está previsto na lei, deve ser complementar às FSS do estado. Sim, digo deve ser, uma vez que esta complementaridade é vista por muitos, infelizmente, como letra morta da lei.

Por outro lado, não se pode nem se deve ignorar um sector que emprega mais de 60000 profissionais e que podem, de facto, ajudar as FSS do estado a cumprirem com maior eficácia a sua missão, nem que seja através da partilha de informações que podem obter em todo o território nacional. É que, como tem sido por demais evidente, há uma falta considerável de efetivos nas FSS, ou melhor dizendo, há uma falta de efetivos na rua, a patrulhar, que é onde devem estar (ainda me lembro de ir Lisboa-Porto; Lisboa-Algarve; na marginal e deparar-me com imensas patrulhas. Hoje, é mais fácil encontrar um indivíduo em contramão do que uma patrulha nas estradas).

Para este efeito, o papel do diretor de segurança deve ser levado em linha de conta, uma vez que este profissional, com o “empowerment” que necessita, pode ser um aliado das FSS, quer no sentido de garante do cumprimento da legalidade por parte destas empresas, quer na implementação de ambientes e espaços seguros que a todos beneficia, inclusive às FSS.

Não se compreende que entidades que são obrigadas a dispor de um sistema de segurança, não tenham diretor de segurança, nem que outras que não são obrigadas, não sejam, à semelhança do que se passa noutros países.

Concluindo, a questão da segurança, vista de uma forma holística e em Portugal, tem três grandes problemas (i) manifesta perda de autoridade do estado, fruto de constantes ataques e vindos de diversos sectores da sociedade (ii) falta de atratividade das carreiras nas forças de segurança, seja pela falta de condições ou porque ninguém está para receber pouco mais do ordenado mínimo, para colocar a sua vida em risco e ainda por cima ser alvo de desdém social (iii) pouco aproveitamento de um sector que ainda tem muito para dar, assim a sociedade em geral e o regulador em particular deixem-se de complexos corporativistas e estigmas generalistas que mais não servem que para “castrar”, ou melhor, atrasar o inevitável desenvolvimento do mesmo.


[1] Relatório Anual de Segurança Interna

[2] https://www.techtarget.com/whatis/definition/broken-window-theory

[3] https://cooperatornews.com/article/the-mayors-anti-graffiti-task-force

[4] Forças e Serviços de Segurança

[5] https://www.pordata.pt/Portugal/Pessoal+ao+servi%c3%a7o+nas+pol%c3%adcias+por+100+mil+habitantes-2039-166688

[6] https://observador.pt/opiniao/a-dismistificacao-de-uma-narrativa/

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