Porque há (ainda) tantos acidentes de trabalho na construção civil?

Notícias Opinião Segurança no Trabalho

Por A.Costa Tavares

A Segurança e Saúde no setor da construção civil continua a ser uma preocupação para nós técnicos de segurança no trabalho dada a alta taxa de sinistralidade e de acidentes mortais ou com incapacitação permanente que têm vindo ao longo de décadas a acondicionar desfavoravelmente a vida de milhares de trabalhadores e consequentemente das suas famílias, muitas delas dependentes apenas dessa fonte de remuneração, pese paradoxalmente ser um setor onde tem havido forte investimento em matéria de segurança e saúde no trabalho com o recrutamento de inúmeros profissionais na área da prevenção e simultaneamente contribuir para o desenvolvimento da economia portuguesa criando inúmeros postos de trabalho, direta e indiretamente. Até no período pandémico, foi talvez dos poucos setores que não sofreu paragens e assegurou uma considerável taxa de empregabilidade.

Conforme podemos observar nas duas figuras abaixo, há uma ligeira tendência de descida em relação ao número de acidentes de trabalho, mas na segunda figura – acidentes mortais, podemos observar infelizmente uma inflexão da curva descendente do início da década, estando sempre acima dos três dígitos o que merece uma reflexão profunda das causas que originaram os respetivos infortúnios.

Total Acidentes de Trabalho
Total Acidentes Mortais

Conforme a capa do jornal O Público datado de 28 de outubro do corrente ano, em 2020 faleceram enquanto estavam a trabalhar 131 trabalhadores, mais 27 que em 2019 antes da pandemia.


Podemos aqui simular inúmeras causas, quer para o número de acidentes em geral, quer particularmente para os acidentes mortais, diríamos que se aprofundarmos, iremos chegar a um mínimo denominado comum:

  • falta de supervisão técnica por parte dos superiores hierárquicos aliada à parca participação no terreno dos técnicos de segurança no trabalho, muitas vezes atafulhados de papéis, normas e procedimentos para darem resposta aos sistemas de gestão implementados nas organizações, outros com pouca ou nenhuma competência adquirida para exercer a profissão no seio das operações cujos riscos são elevados;
  • falta de formação profissional caracterizada sob a forma de imperícia de grande parte dos trabalhadores da construção civil ainda encarada como um desperdício de tempo e de dinheiro por parte do empregador que olha com desconfiança para este mecanismo preventivo;
  • falta de equipamentos de proteção, seja coletiva, seja individual (EPC / EPI), também aqui visto por muitos empregadores como um custo desnecessário e quando os adquirem muitos são os empregadores que os compra de qualidade duvidosa;
  • desorganização dos estaleiros e das frentes de obras, muito congestionadas, pouco sinalizadas contribuindo em grande escala para as quedas de nível, quedas de altura, perfurações, choques elétricos, esmagamento de membros, quedas de objetos sobre os trabalhadores, entre outros;
  • negligência e o descuido de muitos operacionais que no nosso entender são fruto de um certo alheamento por parte dos responsáveis e dos técnicos de SST que, como atrás referimos, não acompanham, não formam, não informam em tempo útil os trabalhadores dos perigos e riscos que estão sujeitos no seu “métier” desonerando-se de uma das suas principais responsabilidades que é o dever de informar e aconselhar;
  • falta de concentração e foco no desempenho das sus atividades, e aqui alertamos para o quadro psicossocial destes trabalhadores muito entregues a eles próprios sem o devido acompanhamento, com consequências na adoção de comportamentos de risco para a sua saúde como o recurso ao alcoolismo, drogas, fármacos e outros vícios.

Podíamos enumerar muitas mais causas, mas centramo-nos apenas naquelas que achamos de maior relevo para o surgimento de incidentes e acidentes para não falarmos das doenças profissionais cuja exposição a agentes agressivos (ruído, vibrações, poeiras, gases, fibras sintéticas, produtos químicos, etc.) contribuem para uma diminuição da qualidade de vida dos trabalhadores e consequentemente uma perda de motivação e de produtividade para as organizações.

O que se pretende é uma inflexão nestas inconformidades acima referidas, devendo paulatinamente instalar-se na órbita dos empregadores, uma consciencialização (por parte dos donos de obra, empreiteiros, encarregados e técnicos de segurança no trabalho) em mudar alguma coisa, traçando-se metas mais ambiciosas para a diminuição dos acidentes, encarando-as como um desafio de gestão e uma simultaneamente uma responsabilização humana.

Na figura 3 apontamos as principais ações a empreender (há muitas outras que não abordamos, mas que contingencialmente podem e devem ser implementadas) e quem as deve implementar sob pena de haver mais atores na organização (dependente da dimensão de cada uma, da prioridade do empregador, da rede externa de apoio, etc.) que podem ser envolvidos neste processo de mudança:

O trabalhador deve ser o último a ser o culpado do acidente, para ele (acidente) ter acontecido há que refletir na pirâmide hierárquico- descendente da organização.

        *A. Costa Tavares

Técnico Superior de Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho, Docente, formador e consultor em matéria de SST e Gestão de Recursos Humanos e Psicologia do Trabalho, Quadro da Câmara Municipal de Cascais Membro da Comissão de Trabalhadores da CMC