Paulo Caldas: “Comandar a Polícia Municipal de Lisboa tem sido o grande desafio da minha carreira”

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Paulo Caldas, superintendente e comandante da Polícia Municipal de Lisboa, tem uma carreira de mais de 30 anos ao serviço da segurança pública. Acredita que a capacidade de resolver os problemas e dificuldades que aparecem, diariamente e a toda a hora, em Lisboa, é o que mais o estimula nesta função. “A cidade de Lisboa é um desafio constante e a Polícia Municipal tem de procurar formas contínuas de adaptar-se aos novos desafios e realidades”, diz. Com um efectivo de 424 elementos, Paulo Caldas reforça a necessidade de aumentar este número. “A partir do próximo ano, começa a tornar-se crítico cumprir com a missão que está atribuída”, diz, adiantando que é preciso “aumentar o número de efectivos policias para os 600 elementos para poder cumprir com eficácia a nossa missão e ir ao encontro das solicitações dos munícipes”. A poucos meses de deixar as actuais funções, Paulo Caldas destaca à Security Magazine os principais projectos nos quais esteve envolvido e os desafios que enfrentou ao longo dos últimos anos. Quanto ao futuro, diz estar disponível, “com a mesma disposição e dedicação” para abraçar novos projectos, mas, desta vez, com a promessa familiar que “o telemóvel fica desligado durante o fim de semana”.

Security Magazine – Como descreve o seu percurso profissional até desempenhar as actuais funções na Polícia Municipal de Lisboa?

Paulo Caldas – Concluído o curso de formação de oficiais de polícia, em 1991, a primeira experiência desafiante foi logo no ano seguinte, como oficial de segurança no Centro Cultural de Belém para a presidência portuguesa da União Europeia de 1992.

Depois exerci vários cargos nacionais e internacionais com especial relevância, como sejam, comandante de esquadra, docente e comandante do corpo de alunos na Escola Superior de Polícia, oficial de ligação do Ministério da Administração Interna na Embaixada de Portugal em Maputo e ainda assistente técnico de um projecto da União Europeia em Moçambique, director de serviços de relações internacionais na Direcção-Geral da Administração Interna, inspector, comandante distrital e director de departamento de segurança privada.

Foi um percurso diversificado, muito enriquecedor em experiências de diferentes áreas transversais e, ainda assim, complementares da área da segurança pública.

A nível pessoal, olhando para trás, a experiência internacional e a direcção do departamento de segurança privada foram, pela complexidade inerente, funções muito marcantes.

Hoje, afirmo com toda a certeza que comandar a Policia Municipal de Lisboa tem sido o grande desafio da minha carreira, sobretudo pela enorme responsabilidade que representa comandar uma polícia numa cidade que tem características tão próprias como a cidade de Lisboa.

O universo municipal tem uma dimensão muito particular, em especial no que respeita ao relacionamento com as freguesias e o trabalho desenvolvido junto dos munícipes.

Confesso que não tinha conhecimento desta dimensão tão próxima das pessoas e tem sido gratificante, mesmo muito gratificante, contribuir para a resolução dos problemas que diariamente assolam os munícipes, desde o ruído, estacionamento, obras, conflitos com estabelecimentos, mercados, até aos licenciamentos, direitos sociais que sempre nos toca muito e para os quais damos a máxima prioridade, o policiamento comunitário ou a protecção do espaço verde e jardins da cidade.

Quais os principais desafios que encontra no seu dia-a-dia enquanto a figura principal da Polícia Municipal? O que mais o estimula nesta função?

Bom, na verdade, não me considero a figura principal da Polícia Municipal, já que a figura principal são todos efectivos que estão no terreno. Sou, sim, quem dá a cara, quem gere, defende e assume tudo o que acontece nas 24h do dia, na cidade de Lisboa.

É verdade que o principal desafio, enquanto responsável máximo, é estar presente e disponível 24h/7 dias de semana, é participar nas actividades diárias, designadamente, reuniões programadas ou urgentes, acompanhamento da actividade operacional, incluindo por vezes, acções de fiscalização nocturna ou eventos que dada a sua natureza e complexidade exigem a presença do comando, resposta a solicitações da assembleia municipal, do executivo e dos gabinetes de vereação, representação em eventos e cerimónias, supervisão de uma ou outra actividade operacional mais complexa. E quando, ao final do dia, pensamos que tudo decorreu de acordo com a agenda desse dia e podemos ir para casa, ora que surge um incidente que requer especial atenção e fica adiado o regresso a casa.

Ao longo dos últimos oito anos, arrisco dizer que o maior desafio que enfrentei no cargo de Comandante da Polícia Municipal diz respeito à pandemia Covid19. Foi um trabalho excepcional, de adaptação permanente, realizado em conjunto, pela equipa da Polícia Municipal e restantes órgãos da Câmara Municipal de Lisboa. Adoptámos medidas operacionais que exigiram um enorme esforço de adaptação face à escassez de recursos humanos e aos desafios provocados pela pandemia e ao mesmo tempo uma preocupação permanente do Comando na protecção dos seus elementos, com a tomada de medidas de autoprotecção exigentes e dotadas de equipamento de protecção individual.

Ultrapassada a pandemia, estou em condições de afirmar que temos os melhores policias municipais, que revelaram, durante o período de pandemia e diariamente, ter garra e coragem para enfrentar qualquer obstáculo.

Quando me pergunta o que mais me estimula nesta função, atrevo-me a dizer que são os problemas ou melhor, a capacidade de resolver todos os problemas e dificuldades que aparecem, diariamente e a toda a hora, em Lisboa. Sabemos que um problema só o é até ter uma solução. E se a procura da solução é de todos, no limite, será sempre e tão só, do Comandante. É exactamente esse esforço na resolução dos problemas, de origem tão imprevisível como inopinada, que reside a minha maior motivação.

De uma forma global, quais as principais competências da Polícia Municipal? Estas têm sido alteradas ou alargadas ao longo destes anos?

Aproveito a sua pergunta, para dar a conhecer o que muitos dos portugueses não conhecem: O regime das polícias municipais.
A Lei n.º 19/2004 de 20 de Maio aprovou a revisão da lei-quadro que define o regime e forma de criação das polícias municipais (RJPM). O RJPM regula o regime “comum” de todas as polícias municipais, maxime o regime das suas competências.

As polícias municipais actuam apenas na área de jurisdição de cada município, podendo fiscalizar o cumprimento das leis e regulamentos que disciplinem matérias relativas às atribuições do município e à competência dos seus órgãos.

Exercem também funções de vigilância (de espaços públicos ou abertos ao público, transportes urbanos locais e edifícios e equipamentos públicos municipais), e de regulação e fiscalização do trânsito rodoviário e pedonal na área de jurisdição municipal.

Quanto à Polícia Municipal de Lisboa, esta tem um regime especial. Pelo Decreto-Lei n.º 13/2017, de 26 de Janeiro, o legislador veio a regular o regime especial das Polícias Municipais de Lisboa e do Porto (RPMLP).

Embora as Polícias Municipais de Lisboa e do Porto retenham as atribuições, funções e competências das demais polícias municipais (de regime comum) (cf. o artigo 4.º, n.º 1, do RPMLP), o legislador determina a sua competência para a regulação e fiscalização do trânsito nas vias públicas sob jurisdição do município (cf. o artigo 4.º, n.º 2, do RPMLP) e consagra a especialidade do âmbito da cooperação entre as polícias municipais de Lisboa e Porto e a Polícia de Segurança Pública pelo alargamento das áreas de cooperação a definir por contracto inter-administrativo (cf. o artigo 5.º do RPMLP).

Desde que assumiu funções, quais os grandes projectos nos quais esteve envolvido que, na sua opinião, contribuíram para a melhoria da segurança na cidade?
Em termos de grandes projectos, será fundamental distinguir três vertentes. Por um lado, toda a componente de desenvolvimento organizacional, de onde se destacam, desde logo, (a) a aprovação do regime especial da Policia Municipal de Lisboa – DL 13/2017; (b) a aprovação do Regulamento de Funcionamento e Organização da Polícia Municipal de Lisboa (Aviso nº 11359/2018, publicado em DR, 2ª Série, nº 157 de 16 de Agosto), (c) a capacitação e formação contínua do efectivo policial e civil, nomeadamente em áreas muito específicas, como trânsito, fiscalização de ruído e manuseamento de meios coercivos de baixa letalidade (TASER); e (d) a renovação da imagem da Polícia Municipal de Lisboa.

Depois, e não menos importante, o reforço de recursos materiais e tecnológicos, que vieram a dotar a Polícia Municipal de melhores e mais completas ferramentas para o cumprimento da sua missão, designadamente, (a) a aquisição de novos meios (viaturas e motociclos), alguns eléctricos, e equipamentos de protecção individual (fardamento, tasers, gás pimenta, kits de combate a incêndios, desfibrilhadores automáticos externos); (b) aquisição de dois radares móveis; (c) transferência de instalações e modernização do Centro de Coordenação da Mobilidade; (d) utilização da Plataforma de Gestão Inteligente de Lisboa, que passou a permitir a optimização de recursos e meios, assente na gestão colaborativa de ocorrências e eventos entre a Protecção Civil, Bombeiros e a Polícia Municipal;

Por fim, importa destacar a importantíssima vertente externa de promoção do relacionamento interinstitucional, designadamente, (a) a celebração do Contrato Interadministrativo entre a Polícia de Segurança Pública e o Município de Lisboa, em 2019; (b) a revisão do Regulamento de horários de funcionamento dos estabelecimentos de venda pública e prestação de serviços no concelho de Lisboa, na qual a CML aplicou a obrigatoriedade de haver limitadores de ruído; (c) a cooperação interinstitucional entre a Polícia Municipal de Lisboa, CARRIS e EMEL, através de acções conjuntas na área da mobilidade; (d) a consolidação da estratégia de Policiamento Comunitário em dez territórios da cidade Baixa – Chiado – Misericórdia (2008); Alvalade – Av. Guerra Junqueiro (2008); Alta de Lisboa (2011); Mouraria (2013); Ameixoeira – Galinheiras (2014); Bairro Padre Cruz (2017); Bairro Alfredo Bensaúde (2019); Alto da Ajuda (2020); Bairro de Santos – Rego (2021); (e) a identificação de novos territórios em fase de planeamento – Bairro do Condado, Bairro da Serafina e Bairro do Beato; (f) a articulação com as Juntas de Freguesia, visando a aproximação polícia cidadão e sensibilizando as comunidades para uma cultura de participação na construção da segurança a nível local; (g) o reforço da Brigada de Fiscalização Ambiental, através da cobertura de concurso para a integração de 18 novos Guardas Florestais; e (h) a formação Profissional ministrada pela PML a outras polícias municipal da AML – Amadora, Oeiras e Cascais.

Todos estes projectos, cada um com o seu âmbito, natureza ou objectivos específicos, foram decisivos para marcar a diferença da Polícia Municipal de antes e a Polícia Municipal de agora.

Se me perguntar se tudo já está feito, naturalmente que não, existe ainda um mundo de novos projectos, novas ideias, novas melhorias. Porque a cidade de Lisboa é um desafio constante e a Polícia Municipal tem de procurar formas contínuas de adaptar-se aos novos desafios e realidades.

Não estar parado e procurar soluções foi sempre a minha maior preocupação, e estou convicto que as “fundações da casa” estão consolidadas, pelo que o caminho futuro passará sempre pela melhoria contínua.

Fale-nos um pouco sobre as parcerias locais e proximidade aos bairros e a sua importância para a manutenção da segurança nesses bairros.

Actualmente, mais do que nunca, o papel das parcerias locais com a Polícia são cruciais e indispensáveis para a construção de respostas de segurança eficazes na cidade.

É neste sentido que a Polícia Municipal de Lisboa tem vindo a desenvolver um modelo de policiamento comunitário que, à semelhança de outros países, se caracteriza pela atribuição de agentes ao patrulhamento apeado de bairros específicos e pelo estabelecimento de parcerias na comunidade.

Na Polícia Municipal em Lisboa, este modelo diferencia-se e é inovador pelo facto de incluir uma fase de planeamento com a participação das parcerias locais para a introdução dos agentes nos bairros.

Estas parcerias, designadas por grupos de prevenção e segurança, contam com a participação activa de parceiros locais e moradores no planeamento e operacionalização deste modelo de policiamento na cidade.

A base deste trabalho é, indiscutivelmente, a criação da confiança na comunidade. E este é um modelo de policiamento com uma abordagem orientada para a prevenção e para a resolução de problemas de segurança no espaço público, que tem permitido a criação de respostas eficazes para os problemas dos bairros muito devido ao facto de permitir a incorporação das contribuições da comunidade nas estratégias policiais.

O grupo de parceiros em conjunto com a polícia, ao focarem a sua intervenção na melhoria da segurança da comunidade, possibilita a construção de estratégias de intervenção mais sustentáveis, contribuindo para a melhoria das relações de vizinhança, para a redução de incivilidades e de comportamentos anti-sociais e consequentemente, para uma melhor segurança nos bairros.

Também o facto de ser um modelo de policiamento que se caracteriza por ter equipas policiais dedicadas a cada bairro facilita a relação de confiança entre a polícia, entidades locais e moradores.

Considera que essa aposta tem sido positiva?

Sem dúvida. Este modelo de policiamento comunitário tem contribuído para a evolução do foco do trabalho policial nos bairros, em que de um modelo reactivo e de respostas a ocorrências, se passou a centrar as estratégias policiais na prevenção e resolução desses problemas, através da capacitação dos cidadãos para identificarem e construírem, conjuntamente com a Polícia, respostas preventivas que contribuam efectivamente para aumentar a segurança e o sentimento de segurança da população.

Este modelo de policiamento comunitário sendo operacionalizado numa polícia municipal que não possui competências de natureza criminal, tem a vantagem de se poder focar na prevenção dos problemas de segurança, o que facilita o trabalho em parcerias com as entidades locais e o estabelecimento de uma relação de confiança com a comunidade.

Quais as principais mais-valias alcançadas?

O trabalho em parceria através do Policiamento Comunitário permite para uma gestão mais eficiente dos recursos das várias entidades envolvidas, uma vez que o conhecimento aprofundado da rede de respostas existentes por cada um dos parceiros contribui para que não ocorra a duplicação de respostas por entidades diferentes, mas antes uma articulação eficaz que, de forma rápida, promove a resolução dos problemas.

Posso partilhar que numa avaliação externa realizada recentemente a este modelo, pela Universidade Nova de Lisboa, ficou demonstrado que a maioria dos inquiridos que afirmou ter conhecimento do Policiamento Comunitário indicou que este contribui efectivamente para o seu sentimento de segurança.

Foi também destacado nessa avaliação, o facto de cada bairro de intervenção contar sempre com a presença dos mesmos agentes, o que facilita o conhecimento aprofundado da realidade social dos bairros, e dos problemas específicos de cada território.

A presença continuada dos mesmos agentes nos bairros permite construir uma relação de confiança entre a polícia e a comunidade e desconstruir progressivamente a imagem negativa da polícia junto da população.

Saliento que o facto de o Policiamento Comunitário ser um policiamento de natureza participativa e preventiva, o principal investimento da Polícia Municipal centra-se nos seus recursos humanos, designadamente na equipa policial, dois agentes por bairro e na equipa de prevenção constituída por técnicos da área das ciências sociais.

Actualmente, e mais uma vez repito, que o reduzido efectivo policial na Polícia Municipal é o nosso principal obstáculo ao alargamento deste modelo a mais bairros na cidade.

Assim, este modelo, que tem vindo a ser reconhecido como uma boa prática de segurança urbana, não só internamente, mas internacionalmente, por exemplo pelo Conselho da Europa, ou no quadro do Fórum Europeu de Segurança Urbana, encontra-se numa situação crítica.

O reforço, ou não, de mais agentes para a Polícia Municipal, ditará o seu futuro como instrumento de política pública de segurança na nossa cidade.

Que desafios coloca uma cidade como Lisboa, que além de capital de um país, encontra aqui um ponto de encontro, convergência e confluência de várias realidades, entre turistas, habitantes, comércio, actividades culturais e de lazer (…), à Polícia Municipal?

Lisboa tem, de facto, uma história secular, que se funde com as características da cidade, com a sua geografia privilegiada onde o Tejo lhe deu uma configuração especial, atraindo turistas, moradores, comerciantes, e onde a confluência de povos e culturas foi moldando a sua personalidade, hoje única. O facto de ser a capital do país acresce a responsabilidade de todos os que passam, trabalham ou vivem dentro dos limítrofes da cidade.

Foi exactamente com esse sentido de responsabilidade que a Polícia Municipal tem vindo a apostar naquelas que considera as áreas que maiores desafios colocam à cidade, e cujos números infra expressam bem essa realidade.

Os dados de 2022 apresentam:
(1) Fiscalização Rodoviária – o processamento de 259 835 infracções de velocidade; 3 918 Autos de Notícia por Contraordenação Directos; 49 847 Autos de Notícia por Contraordenações Indirectos; A remoção 824 viaturas abandonadas e de 7860 em infracção; e ainda 4363 Trotinetas / Velocípedes com motor.
(2) a Fiscalização Municipal – os dados de 2022 apresentam uma existência de: 3376 Obras fiscalizadas; 131 – Embargos efectuados; 1077 Acções de Fiscalização a Estabelecimentos Comerciais.
(3) Linha Ruído (desde 19 de Setembro de 2022 (data de início de funcionamento da Linha Ruído) até a data, foram recepcionadas 2138 chamadas. Esta linha tem uma dinâmica muito específica: após a ocorrência ser reportada, são enviados ao local os meios considerados adequados para verificação, ou não, da infracção.
(4) Apoio Policial – 8531 apoios prestados aos serviços da CML: situações de insalubridade, sem-abrigo, remoção de grafitis, entre outros e 336 apoios a entidades externas.
(5) Centro de Coordenação da Mobilidade – foram atendidas 89 056 chamadas recebidas, sendo que as ocorrências mais frequentes dizem respeito a fiscalização de obras – 1386, ruído de obras – 812, e reboque de viaturas – 17 328).
(6) Policiamento Comunitário – em 222 foram abrangidos 10 territórios com policiamento comunitário estando 3 em fase actual de planeamento.
(7) Prevenção e Segurança na Comunidade – 115 acções de sensibilização preventivas que abrangeram 5842 Participantes).
(8) Formação – foram realizadas 45 acções de formação que incidiram nas áreas de trânsito, tiro teórico, fiscalização municipal, certificação de Taser e que abrangeram 210 participantes).

Estes números demonstram de forma inequívoca as necessidades da cidade de Lisboa, e os principais desafios. Por este motivo é fundamental dotar a PM de um maior número de efectivos, de forma a não colocar em causa quer a sua operacionalidade, quer a sua intervenção, que a sua capacidade de resposta e, naturalmente, visibilidade.

Tendo em conta a realidade e necessidades desta cidade, em termos de meios físicos e humanos, o que tem a Polícia Municipal à disposição actualmente? Esses meios têm aumentado nos últimos anos? Em breve, a Polícia Municipal prevê reforçar os seus meios humanos e físicos? Em que medida?

Os últimos anos foram prósperos em termos de modernização da Polícia Municipal de Lisboa, designadamente no que concerne ao reforço de meios operacionais e competências.

No entanto, verifica-se actualmente, e em virtude da passagem à aposentação de um elevado número de operacionais, um declínio gradual do número de efectivos (actualmente, um défice de 180 elementos relativamente ao quadro orgânico de 600 efectivos), o que limita a intervenção e visibilidade da PML na cidade.

Atingimos o pico em 2018, com 588 elementos, mas à data de hoje contamos com 424, e a previsão é que, no final de 2023, o número possa baixar ainda mais. Isto significa que em 2024 poderão não existir efectivos suficientes para ter a Polícia Municipal operacional. Ou seja, a partir do próximo ano, começa a tornar-se crítico cumprir com a missão que está atribuída.

Temos vindo a demonstrar a nossa preocupação junto do Ministério da Administração Interna desde 2019, e uma coisa é certa, se a Polícia Municipal deixar de ter condições para realizar o seu trabalho, ou o mesmo terá de passar a ser realizado pela PSP ou não será realizado por ninguém.

Por outro lado, importa realçar que a Câmara Municipal de Lisboa tem vindo, ao longos dos anos, a fazer um fortíssimo investimento em meios materiais: temos um excelente parque automóvel, equipamento de protecção individual com dotações individuais de gás pimenta, rádios, tasers, etc., um serviço de manutenção de viaturas de excelente qualidade que permite elevadíssimas taxas de prontidão, bons equipamentos informáticos e de comunicação, uma sala de comando e controle dotada da mais recentes tecnologia de comunicações e internet, salas de formação, carreira de tiro própria.

No entanto, todo este esforço de nada serve se não tivermos efectivos. Precisamos aumentar o número de efectivos policias para os 600 elementos, para poder cumprir com eficácia a nossa missão, e ir ao encontro das solicitações dos munícipes.

Em traços gerais, como olha para a evolução do papel desempenhado pela Polícia Municipal naquilo que é o sentimento de segurança da cidade e dos seus habitantes, bem como de quem a visita?

Sobre esta matéria, eu destacaria, pela sua importância factual, os dois estudos realizados no âmbito do Protocolo de Cooperação para a avaliação do Policiamento Comunitário e de Vitimação da Cidade de Lisboa, celebrado entre o Município de Lisboa e a Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (FCSH). Estes estudos tiveram como principais objectivos (i) avaliar o programa de policiamento comunitário da Polícia Municipal de Lisboa, visando contribuir para uma reflexão sobre os vários instrumentos de políticas de segurança de proximidade e contribuir para a definição do papel da Polícia Municipal no processo de territorialização da segurança; e ii) elaborar um estudo sobre a vitimação, em 2019, na população residente em Lisboa, com vista à elaboração de recomendações sobre estratégias para as políticas de prevenção da criminalidade.

Genericamente, no que diz respeito ao estudo da vitimação, os resultados foram os seguintes:
• Percepção do sentimento de segurança

  • A percentagem dos inquiridos que se declaram seguros na cidade situa-se em 80%.
  • Diminuição da proporção de inquiridos que se consideram inseguros ou muito inseguros na cidade Lisboa: Ano 2000 – 62%; Ano 2019 – 20%
  • Diminuição da proporção de inquiridos que se consideram inseguros ou muito inseguros na área de residência: Ano 2000 – 34,1%; Ano 2019 – 17,5%
    • Vitimação
  • Diminuição da taxa de vitimação (valor alinhado com a redução da criminalidade participada a nível nacional nos últimos 13 anos): Ano 2000 – 17,5%; Ano 2019 – 7,2%
  • Diminuição da taxa de vitimação referente a todos os crimes, com excepção dos crimes associados a agressões ou ameaças.
  • Ligeira subida da participação dos incidentes às autoridades: Ano 2000 – 35%; Ano 2019 – 39,5%

Apesar dos resultados revelarem uma mudança positiva no que diz respeito à experiência de vitimação dos lisboetas e à sua percepção de segurança, é possível constatar que esta mudança não ocorreu de igual modo em todas as áreas da cidade, permanecendo desigualdades assinaláveis, nomeadamente: sentimento de segurança; confiança nas autoridades e representações de segurança, influenciadas pelos meios de informação e pela estrutura sociodemográfica da população.

No que diz respeito à avaliação do programa de policiamento comunitário, foi realizado um outro estudo – A PML e a Opinião dos Munícipes e Parceiros – sobre os níveis de confiança e satisfação sobre a actuação da PML e as percepções sobre a imagem e o relacionamento que esta organização estabelece com o cidadão, identificando, simultaneamente, prioridades quanto às suas áreas de intervenção, os quais mereceram os seguintes resultados:

  • 64% dos residentes consideram que a PML tem um bom desempenho (6 em cada 10 munícipes avalia positivamente a a PML).
  • Parceiros da PML fazem uma avaliação muito positiva do desempenho da PML, situando-o nos 75%.
  • Mais de metade dos residentes (54%) atribui uma classificação positiva à satisfação com a intervenção da PML. O nível de satisfação, para os parceiros, situa-se nos 67%.
  • A área de atuação mais importante para os parceiros é o Policiamento Comunitário.
  • Quanto ao Espaço Público (presença policial, sinalização de ocorrências, falta de iluminação, viaturas abandonadas) 35% dos munícipes critica a falta de atuação da PML.
  • A área do Ambiente é uma das áreas com maior índice de satisfação (59%) e é, igualmente, considerada como uma das áreas mais importantes.
  • São os mais jovens (18-24 anos) quem mais confia na PML – 78%, seguidos pela população com mais de 65 anos (72%).
  • Globalmente, o índice de confiança é de 75%, sendo que os aspectos mais valorizados são a experiência profissional demonstrada e a actuação policial, propriamente ditas. O factor menos bem avaliado foi a pouca visibilidade dos polícias na cidade.
  • A PML apresenta níveis de confiança mais elevados, comparativamente à justiça portuguesa e às restantes polícias europeias.
  • No que diz respeito à dimensão do relacionamento com a PML, a avaliação feita pelos munícipes e parceiros é positiva (63% e 78%, respectivamente), apesar de surgirem indicadores que carecem de uma atenção acrescida, nomeadamente o tempo de resposta às solicitações e a competência na resolução dos problemas.
  • Quanto à distinção entre a PSP e a PML, 90% dos munícipes afirmam que é clara a distinção entre duas Polícias.

Dentro de alguns meses deixa as suas actuais funções. Que balanço faz destes anos e o que retira desta carreira ao serviço da segurança pública?

Creio que qualquer oficial de Polícia que chega ao final da sua carreira sai com o sentimento, acima de tudo, de dever cumprido. Tenho a certeza que no último dia da minha actividade profissional, não serão os episódios da actividade policial, nem os louvores ou as medalhas que prevalecerão no meu pensamento, mas sim, a sensação de que dei o meu melhor ao longo da minha carreira profissional, em todos os locais por onde passei.

Nesta altura, e sob pena de qualquer exercício de balanço que eu possa fazer não ser imparcial, acredito que quem melhor fará o balanço do meu trabalho serão as pessoas que comigo trabalharam, sejam superiores hierárquicos, subordinados, colegas ou cidadãos. E o meu maior legado será esse: se falarem de mim depois da minha saída, é porque a minha presença foi importante. E isso é só o que importa.

Quanto ao futuro, que projectos prevê abraçar nos próximos tempos?

Depois do dia 1 de Setembro de 2023, data em que passarei à situação de pré-aposentação, só tenho a certeza de que não ficarei parado. Porque este sentido de serviço público que nos acompanha há uma vida não desaparece apenas e porque existe uma mudança de situação profissional, pelo menos para mim.

Dizem que a terra é redonda para que não possamos ver muito à frente do caminho e assim mantermos o foco nos desafios futuros, e eu até costumo dizer “não me coloquem desafios à frente que eu aceito todos, até os impossíveis”.

Estarei assim, com a mesma disposição e dedicação, disponível para abraçar novos projectos, mas desta vez, com a promessa familiar que o telemóvel fica desligado durante o fim de semana!

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