Venda com Prejuízo na Segurança Privada: Desafios e Soluções

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Ao longo dos anos, tem sido evidente o incremento de uma prática preocupante no setor da segurança privada: a venda com prejuízo. Esta ocorre quando empresas oferecem serviços a preços abaixo do custo, muitas vezes comprometendo os salários e as condições de trabalho dos profissionais da segurança.

Este fenómeno prejudica não apenas a sustentabilidade financeira das empresas, mas também mina os direitos dos trabalhadores e compromete a qualidade dos serviços oferecidos. Diante desse desafio, é crucial adotar medidas legislativas e regulamentares para enfrentar esse problema de forma eficaz.

Se é certo que a proibição da venda com prejuízo foi devidamente acautelada pela revisão do Regime do Exercício da Atividade de Segurança Privada em 2019, menos certo é a aplicabilidade dessa norma no quotidiano do setor.

Competia ao Governo legislar sobre essa matéria, prevendo mecanismos de implementação e operacionalização da proibição de vender abaixo do custo. Isso não ocorreu. Temos letra morta de uma das mais significativas e importantes alterações legislativas feitas no setor. Entendemos que essa inércia possa ter fim à vista com a retoma do Governo ao efetivo, mas nunca fiando, cabe aos players do setor implementar matrizes que mitiguem a existência destas práticas.

É que se é certo que não existem regras do jogo quanto à prática de preços predatórios, intimamente ligados com a venda com prejuízo e dumping social, também é certo que no Regime do Exercício da Atividade de Segurança Privada está prevista a responsabilidade solidária por incumprimento de responsabilidades laborais ou contributivas (artigo 60-B).

Quer isto dizer que as entidades que contratam serviços de segurança privada – os Clientes – têm uma responsabilidade conjunta com as empresas contratadas em relação aos pagamentos devidos aos trabalhadores que executam os serviços. Assim, se a empresa de segurança privada contratada não pagar os salários ou outras obrigações laborais dos trabalhadores, a entidade contratante também pode ser responsabilizada por esses pagamentos.

Além disso, as entidades contratantes também são solidariamente responsáveis pelas obrigações contributivas em matéria fiscal e de segurança social relacionadas aos trabalhadores que realizam os serviços contratados. Tal significa que, se a empresa de segurança privada deixar de pagar impostos ou contribuições para a segurança social em nome de seus funcionários, a entidade contratante também pode ser responsabilizada por esses pagamentos em conjunto com a empresa contratada.

A razão de ser deste normativo é óbvio: garantir que os trabalhadores recebem os pagamentos adequados e que todas as obrigações fiscais e de segurança social sejam cumpridas de maneira adequada e oportuna, protegendo assim os direitos e o bem-estar dos trabalhadores do setor.

Diante desse cenário, é crucial que as entidades contratantes estejam cientes da existência dessa proibição e das responsabilidades associadas.

A questão-chave é como mitigar esse risco em meio à falta de regulamentação clara.

Nesse sentido, a proposta da AES, apresentada no último Conselho da Segurança Privada, de alteração legislativa para exigir a demonstração da conformidade com a proibição da venda com prejuízo no convite à apresentação de propostas ou no programa do procedimento concursal é um passo na direção certa.

Essa medida não apenas ajudaria a prevenir a violação da proibição da venda com prejuízo, mas também promoveria a transparência nos processos de contratação pública.

Esta alteração legislativa está alinhada com a alteração do Código dos Contratos Públicos que veio propugnar a faculdade segundo a qual a entidade adjudicante possa exigir no convite à apresentação de propostas ou no programa do procedimento que as propostas sejam constituídas por um documento demonstrativo da estrutura de custos do trabalho necessário à execução do contrato a celebrar.

Entendemos que, no caso da segurança privada, esta demonstração deva ser obrigatória, atento o elevado incumprimento que o setor encerra.

Na prática, a entidade adjudicante deveria sempre exigir no convite à apresentação de propostas ou no programa do procedimento que envolva prestação de quaisquer serviços de vigilância por parte de empresas de segurança privada, que as propostas sejam instruídas com documentação demonstrativa da estrutura de custos do trabalho necessário à execução do contrato a celebrar, que resultem de prestações impostas por lei ou por instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho.

Além disso, é essencial que, em casos envolvendo transmissão de estabelecimento ou sucessão no posto de trabalho, as entidades contratantes exijam a identificação do número de trabalhadores afetos às instalações e suas condições salariais, como parte do compromisso com a transparência e a justiça laboral.

Pese embora a legislação atual apresente limitações na efetiva aplicação da proibição da venda com prejuízo, medidas como a proposta de alteração legislativa da AES e o compromisso com a transparência nas contratações públicas podem ajudar a mitigar os riscos associados a essa prática prejudicial no setor da segurança privada.

É fundamental que tanto as autoridades públicas quanto as partes interessadas no setor trabalhem juntas para promover um ambiente de trabalho justo e sustentável para os profissionais da segurança privada.

Por Ana Reis Mota
13.3.2024
Secretária-geral da AES – Associação das Empresas de Segurança