O fenómeno da violência no desporto

Notícias Opinião



Por Francisco Oliveira , Director de Segurança, Formador, Membro de Direção da ADSP

Nas últimas décadas o fenómeno da violência associada ao futebol tem vindo a ganhar cada vez mais relevância em diversos países, incluindo Portugal. Todos somos fãs, sócios, adeptos (organizados ou não), que gostam de assistir aos espetáculos desportivos nos estádios, pavilhões e outras infraestruturas desportivas, cada vez mais complexas e sofisticadas, que proporcionam cada vez mais conforto e que incluem novas tecnologias, assentes em apertados requisitos técnicos e de segurança, para que se possa desfrutar o evento.
Apesar da Lei contra a violência no desporto ter mudado em 2009, continua a não ser aplicada e continuam a ser notícia episódios de violência. Todos sabemos, e isso não pode ser negado, que o desporto em geral, como um espetáculo, é um negócio que envolve milhões e gera emprego. Para que esse espetáculo seja de festa, sem violência, é necessária repensar a formação inicial e contínua aos agentes desportivos 1.
Podemos dizer que o fenómeno da violência no desporto é intemporal, não sendo um fenómeno exclusivo do futebol, mas sim transversal a várias realidades desportivas, todas elas geradoras de forte carga emotiva que acaba por servir de pretexto a comportamentos desviantes.
A Lei n.º 39/2009, de 30 de julho, alterada pela Lei 113/2019 de 11 de setembro, veio estabelecer o regime jurídico do combate à violência, ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espetáculos desportivos, de forma a possibilitar a realização dos mesmos com segurança, atribuindo uma série de deveres, aos promotores, organizadores e proprietários do recinto desportivo 2.



Nesta procura de mais segurança e sem prejuízo das competências próprias das forças de segurança, há que não esquecer o coordenador de segurança3 , responsável operacional pela segurança privada no recinto desportivo com a função de chefiar e coordenar a atividade dos assistentes (ARD), bem como zelar pela segurança no decorrer do espetáculo desportivo.
Já as forças de segurança, para além das funções gerais de fiscalização e competências atribuídas por lei enquanto entidades máximas responsáveis pela segurança dos espetáculos desportivos, têm, através do seu comandante, a função de avaliar se estão reunidas as condições para a realização do evento desportivo e, a todo o tempo, assumir a responsabilidade pela segurança no estádio sempre que se detetem riscos para as pessoas e instalações, podendo inclusivamente determinar a evacuação, total ou parcial, do recinto.
Pela sua forte envolvência no espetáculo desportivo, pelas suas características e formas muito próprias de viver e sentir o futebol, os grupos organizados de adeptos (GOA), vulgarmente conhecidos por claques, carecem de todo um dispositivo de segurança feito através de uma monitorização contínua e sistemática.
Se olharmos para outros regimes jurídicos Europeus que se deparam com este fenómeno crescente de violência, verificamos que a solução passa sempre pela monitorização, identificação e proibição de acesso aos recintos desportivos daqueles que infringem as regras.
Veja-se o modelo inglês, onde as Football Banning Orders4 conjugadas com as interdições por parte dos clubes, das associações de adeptos organizados nas bancadas, têm vindo a obter sucesso.
A APCVD5 criada em novembro de 2018, com sede em Viseu, veio suceder ao IPDJ.IP em matéria de atribuições e competências relativas ao regime jurídico da segurança e combate ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espetáculos desportivos, de forma a possibilitar a sua realização em segurança e de acordo com os princípios éticos inerentes à sua prática.
Tendo em conta a atual conjuntura, a violência associada ao desporto afigura-se como um problema de difícil resolução, dado que alguns dos atores que poderiam contribuir decisivamente para a erradicação da mesma, nomeadamente os dirigentes desportivos, não demonstram revelar muito interesse apesar de muito apregoarem essa luta.



Por outro lado, alguns OCS6 contribuem para o avivar da violência no desporto noticiando insistentemente os incidentes perpetrados por adeptos, em geral, e pelas claques, em particular, acabando por aliciar involuntariamente delinquentes para o seio das mesmas, vindo a desvirtuar a sua finalidade que é a de apoiar o clube de forma entusiástica e constante.
Para mudar esta mentalidade, cabe em primeiro lugar ao Estado “…em colaboração com as escolas, associações e as coletividades desportivas, promover, estimular, orientar e apoiar a prática e a difusão da cultura física e do desporto, bem como prevenir a violência no Desporto ”. Não basta publicar legislação, sempre que surgem situações de violência, sem incutir, desde tenra idade, uma cultura de segurança.
Enquanto não formos capazes de nos consciencializarmos que é responsabilidade de todos, sem exceção (governo, agentes desportivos, segurança privada, segurança pública e não menos importante a comunicação social), garantir o direito à integridade física e a expectativa legítima de assistir a jogos de futebol e outros eventos desportivos sem medo de violência, desordem pública ou outras atividades criminosas, continuaremos a “assobiar para o lado” enchendo as redes sociais e os meios de comunicação social com publicações e multimédia demostrativas de atos que roubam ao desporto a sua verdadeira natureza.



1 – Artº 3º, al. a) da Lei 39/2009 de 30 julho: “«Agente desportivo» o praticante, treinador, técnico, pessoal de apoio, dirigente, membro da direção, gestor de segurança, coordenador de segurança, oficial de ligação aos adeptos ou
qualquer outro elemento que desempenhe funções durante um espetáculo desportivo em favor de um clube, associação ou sociedade desportiva, nomeadamente, o pessoal de segurança privada, incluindo-se ainda neste conceito os árbitros, juízes ou cronometristas;”
2 – Artº 8º da Lei 39/2009 de 30 julho.
3 – Artº 3º, al. f) da Lei 39/2009 de 30 julho.
4 – “As Ordens de Proibição de Futebol são um tipo de ordem judicial, geralmente feita após uma condenação por um crime “relacionado com o futebol”. Podem durar entre três e dez anos e incluirão uma ou mais condições a que deve obedecer. A violação de uma Ordem de Proibição de Futebol é um crime punível com pena até seis meses de prisão.” Tradução nossa de https://www.hja.net/what-is-football-banning-order/
5- APVCD – Autoridade para a Prevenção da Violência Contra o Desporto. Decreto Regulamentar n.º 10/2018, de 3 de outubro.
6- OCS – Órgãos de Comunicação Social. A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) contava com 2.466 órgãos de comunicação social registados no final de 2019, dos quais mais de metade são publicações periódicas, segundo o regulador dos media.
7- Art.º 79º, nº 2 da CRP