O “valor” da “in” segurança em tempo de crise

Notícias Opinião

Como já tem sido dito e redito, esta pandemia provocada pelo SARS-COV-2 está a ter um impacto negativo gigante na actividade económica e na maioria dos sectores de actividade, seja pela proibição de laboração de alguns desses sectores, seja pelas medidas de confinamento em geral e/ou pelos custos associados aos sectores que podem e devem manter a sua actividade aberta, considerados serviços essenciais, tais como o retalho alimentar, empresas de segurança privada, farmácias, bombas de gasolina, etc, de forma a continuarem a servir a população, ainda que sem qualquer apoio do estado.

Se, de facto, esta pandemia tem-se revelado, por um lado, fatal para a saúde e para o tecido económico e empresarial, por outro tem-se revelado uma oportunidade para agentes criminosos, sendo que uns tornaram-se por necessidade, fruto da crise económica e do aumento do desemprego[i], outros porque já faz parte da sua carreira profissional no mundo do crime.

Estas oportunidades surgem na área do cibercrime[ii], potenciado pelo facto de as pessoas que estão em confinamento e em teletrabalho usarem mais a WEB e as ferramentas digitais que têm ao seu dispor, mas não só. A tendência é, também, aumentar a criminalidade geral e violenta em particular[iii], ainda que estas consequências comecem a ser mais visíveis após o desconfinamento, fruto das consequências económicas da pandemia. Pode ser muito enganador ver a diminuição da criminalidade geral no decurso da pandemia.

O aumento da criminalidade em tempos de crise, sendo que aqui não se considera apenas a crise pandémica, mas principalmente a crise económica, é fruto da perda de poder económico por parte das pessoas e empresas. No que às pessoas diz respeito, estas vêm-se sem emprego e com obrigações familiares, ou de outra espécie, a respeitar, vendo-se forçadas a recorrer à prática de crimes para fazer face às mesmas, ou até mesmo para conseguirem subsistir. Em relação às empresas, na sua grande maioria, a resposta a esta crise está a levar ao limite os seus orçamentos, sendo que quando se vêm confrontadas com a necessidade de reduzir custos, fruto da redução ou extinção da sua actividade económica, a rúbrica da segurança é vista como um custo bastante pesado e não como um activo incorpóreo, particularmente importante em tempos de crise económica.

Perante este cenário, qual o instinto básico de qualquer CFO (de alguma forma compreensível para quem tem de garantir a sustentabilidade financeira de uma empresa, mantendo a sua liquidez e, consequentemente, os postos de trabalho), corta-se nesta rúbrica. É que o único risco considerado nas suas avaliações, é o risco associado a uma linha no P&L. Consequentemente, fruto da sua visão estritamente direccionada para o seu objectivo, este facto pode revelar-se bastante mais penoso para as empresas, seja a curto ou médio prazo.

Se é certo que não há segurança se não houver empresas, o inverso não é menos verdade! Por exemplo, nas empresas de distribuição as pessoas cada vez mais valorizam o sentimento de segurança nos espaços que frequentam. Já em 2007 a APED realizou um estudo precisamente sobre os factores que as pessoas valorizavam em espaços comerciais e a segurança era um dos que os clientes consideravam[iv].

Por outro lado, imaginemos, por exemplo, que a produção de uma empresa tem de parar, consequência de uma falha de segurança, seja derivado a um incêndio, contaminação interna de larga escala ou qualquer outra situação! Quanto é que isto custará a empresa? Poder-se-á dizer que o seguro paga, contudo, por vezes, não será assim e quando o é, não será na sua totalidade. E quanto custará os danos de imagem? Será que se consegue fazer demonstrar e assumir este risco?

Ainda que não tenha o poder de decisão na grande maioria dos casos, cabe ao director de segurança (no caso das empresas que o têm, seja por força da lei ou por estratégia da própria empresa), tentar demonstrar quais as eventuais consequências da não adopção / na redução e/ou na abolição de algumas medidas de segurança, no contexto especial e particular que estamos a atravessar.

Como tenho escrito (e dito) noutros artigos e conferências[v], em tempo de crise económica é imperioso não reduzir a segurança das empresas, sob pena de as consequências serem bastante mais gravosas que o eventual “saving” que se tenha com cortes nestas áreas.

Chegámos ao ponto de, em algumas empresas que não são obrigadas a ter director de segurança, pelo menos em Portugal, como por exemplo no sector da hotelaria, a colocarem os directores de segurança a fazer de vigilantes e assumirem escalas, deixando para trás as suas atribuições. Obviamente que é bastante melhor do que perder o emprego, como aconteceu, infelizmente, com muitos profissionais de todos os sectores, contudo, em relação às outras funções nessas empresas passar-se-á o mesmo? Vemos um director comercial a fazer de recepcionista, enquanto estes vão para layoff? Isto é muito revelador em relação à forma como uma empresa encara a segurança.

Infelizmente em Portugal tem-se muita dificuldade em assimilar uma cultura de segurança, seja no sector privado ou público! É que, normalmente, só se dá valor a estas coisas, ou seja, à segurança, quando se percepciona a falta dela, senão vejamos. Há sensivelmente um ano, escrevi sobre as agressões a profissionais de saúde e as reacções (a quente) que se fizeram sentir naquele momento[vi], volvidos um ano quais as alterações?! nenhumas, a não ser mais ofensas a estes profissionais. Nos primeiros 3 meses do ano de 2020, tinham sido registadas 500 agressões a profissionais de saúde. Entre Março e Setembro de 2020, altura em que já tinha sido criado o tal gabinete que seria a solução para este problema, foram registadas mais 485 ocorrências[vii]. Para que é que serviu a criação deste gabinete, para além de compilar dados?

Para isto, é necessário colocar a tónica no “empowerment” do director de segurança corporativa e não nos directores de segurança de empresas de segurança privada, contrariamente ao que o legislador tem insistido nas últimas alterações legislativas e ao que a ADSP – Associação dos Directores de Segurança de Portugal tem defendido em diversos fóruns.

No sentido de tentar dignificar o sector da segurança privada em Portugal, a ADSP não se fica por reiterar a importância do director de segurança nas empresas e departamentos! Por exemplo, a ADSP ainda há pouco tempo e a propósito do plano nacional de vacinação, fez um pedido ao MAI, através do departamento de segurança privada da PSP[viii], para que os profissionais deste sector fossem incluídos nas primeiras fases, visto muitas vezes estarem à frente de linha e não na linha da frente (utilizando a expressão do meu presidente e amigo, Coronel Ludovico Jara Franco), basta ver-se o caso dos hospitais e postos de saúde, contudo, caiu em saco roto, ainda que tenha havido um forte apoio pela iniciativa por parte do director daquele departamento da PSP.

Resumindo, quer no sector privado ou público, a segurança tem de ser muito mais do que uma linha no P&L ou um budget regateado, uma vez que o sentimento de liberdade individual e económica que ela nos proporciona, não é mensurável através de um business case, mas um problema grave de falta de segurança pode ser fatal para uma empresa, pelo menos no sector privado!

Por José António MenesesEspecialista em Segurança / Director de Segurança e Vice-presidente da Associação de Directores de Segurança de Portugal


i) https://expresso.pt/economia/2020-11-04-Numero-de-desempregados-aumenta-45-e-ultrapassa-as-400-mil-pessoas

ii) https://www.sis.pt/pagina/109/ciberameacas-e-a-pandemiahttps://www.policiajudiciaria.pt/alerta-covid-19-e-as-ciberameacas/

iii) https://www.policiajudiciaria.pt/detencao-de-assaltantes-a-mao-armada-47/

iv) http://aped.pt//wp-content/uploads/2019/07/186_1_G.pdf

v) https://www.facebook.com/photo/?fbid=10215632804125548&set=a.1385064119025https://www.securitymagazine.pt/2020/05/06/quando-a-seguranca-e-uma-prioridade/?fbclid=IwAR3Se5FF_xIFM6m9FByWaNZOJgqNd4rOWzkk0yZqUxupTsQHlL1KgFAcr-Ehttps://vimeo.com/413304767/277c50dfee?fbclid=IwAR3rPppKT2fKfIH8C52cAuE8wLxKM_xj87bRxiK4DjPTpq08WramQvNhi8k

vi) https://www.securitymagazine.pt/2020/02/10/com-cha-e-bolos/

vii) https://expresso.pt/sociedade/2020-10-19-Houve-500-agressoes-a-profissionais-de-saude-nos-primeiros-tres-meses-do-ano

viii) https://adsp.pt/vacinacao-contra-a-covid-19-prioritaria-para-vigilantes/

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