Luís Ratinho assumiu recentemente o cargo de Chefe do Departamento de Segurança e Country Security Manager da Volkswagen Autoeuropa, à qual se junta a responsabilidade da segurança da Volkswagen Group Services, dos Volkswagen Financial Services, do Volkswagen Porto Application Center, da Volkswagen Digital Solutions e da SIVA. Em entrevista à Security Magazine o responsável explicou que o lema principal da organização é a prevenção. “Prevenir e evitar a ocorrência de incidentes para assegurar que a produção decorra o mais normalmente possível e sem paragens”. Como aponta, “temos de prevenir e ser activos e não reactivos”.
Security Magazine – Como foi o seu percurso na Volkswagen e como chegou até aqui?
Luís Ratinho – Ingressei na Volkswagen Autoeuropa em 1994, onde permaneci até 2006, como coordenador de segurança e protecção de incêndios. Nesse ano, fui convidado para chefiar a segurança corporativa da Volkswagen no Brasil, onde tive como responsabilidade quatro fábricas e um centro de distribuição de peças – uma estrutura bastante diferente da que temos aqui. Cinco anos depois fui convidado para regressar à Europa, à SEAT, em Martorell, Barcelona, como director de segurança da marca. Em 2013, por motivos familiares, regressei à Volkswagen Autoeuropa para a área de infra-estruturas, ambiente, energia e novos projectos, onde permaneci até 2018. Esta foi uma experiência muito interessante, com novas áreas de responsabilidade e uma outra visão da fábrica, e que ficou marcada pela preparação da fábrica para três turnos de produção e para a construção do T-Roc. Depois desses cinco anos, a Segurança do Grupo Volkswagen questionou-me se estaria interessado em regressar à área de segurança, neste caso para França, como Country Security Manager. Em França, não existia um responsável de segurança único – apenas pequenos responsáveis de cada entidade do grupo- e a ideia do projecto passou por englobar todas as entidades do grupo dentro da mesma política de segurança. Estas entidades compreendiam a parte de vendas e marketing de cinco marcas do grupo (Volkswagen, SEAT, Škoda, Audi e Volkswagen Veículos Comerciais), a Bugatti, onde se fazem “veículos-jóias” de mais de um milhão de euros, e a MAN Energy Solutions, que faz motores para navios.
Este ano, cinco anos depois, regressei a Portugal, à Volkswagen Autoeuropa como Chefe do Departamento de Segurança e Country Security Manager. Além da Volkswagen Autoeuropa, tenho a responsabilidade da segurança da Volkswagen Group Services, dos Volkswagen Financial Services, do Volkswagen Porto Application Center, da Volkswagen Digital Solutions e da SIVA.
Quais as suas responsabilidades principais?
O grupo Volkswagen possui regras, procedimentos e standards mínimos em termos de segurança. A minha responsabilidade consiste em assegurar que as entidades do grupo mencionadas anteriormente seguem e aplicam estas regras, e também providenciando assistência na parte técnica e documental sempre que necessário.
A Volkswagen Autoeuropa conta com dois serviços internamente em termos de segurança. Que serviços são esses?
Em Palmela, temos a parte de segurança física de instalações, que inclui vigilantes, câmaras, alarmes, entre outros, e a parte de protecção de incêndios, que inclui um corpo de bombeiros interno. Este corpo de bombeiros não está oficializado por motivos estratégicos da empresa, porém, para todos os efeitos é um corpo de bombeiros que pode actuar apenas internamente. Estes dois serviços são fornecidos por entidades externas. No entanto, todos os equipamentos de segurança, nomeadamente câmaras, alarmes, veículos de bombeiros, equipamentos de 1ª e 2ª intervenção, etc., são propriedade da Volkswagen Autoeuropa.
O grupo já não se dedica apenas à produção de veículos, tendo hoje outras actividades nomeadamente financeiras ou produção de software. Porém, ao nível da fábrica, que desafios de segurança encontra? São desafios e realidades diferentes das outras empresas do grupo…
Sim, actualmente falamos de um universo diário de 5500 a 6000 pessoas na fábrica, entre os fornecedores e os 4980 colaboradores, num horário 24/7. Somos quase uma pequena vila.
Com todas as operações de produção existem também uma série de sistemas de protecção de incêndio e segurança que tem de ser mantida e apta a funcionar. Por isso, temos um corpo de bombeiros e os sistemas da fábrica estão todos ligados através do sistema centralizado de alarmes. E para qualquer situação que ocorra é imediatamente chamado a intervir o nosso corpo de bombeiros ou a segurança.
Esta realidade não é diferente das outras fábricas do grupo pois os standards exigidos são semelhantes.
Logicamente que nas empresas do grupo com actividades terciarias as necessidades são diferentes e os standards do grupo são adaptados a estas situações.
Quando nasceu o departamento de segurança da Volkswagen Autoeuropa?
Nasceu com o início da fábrica. Tanto a Volkswagen, como a Ford, quando iniciaram a fábrica vinham com uma filosofia de segurança, muito forte e naturalmente isto esteve na base da criação da fábrica e da organização.
O corpo de Bombeiros por exemplo comemorará o seu 30.º aniversário no próximo ano. Aquando da sua inauguração em Janeiro de 1994 teve a honra da presença do Ministro da Administração Interna.
A que departamento depende a segurança?
Depende da área de Recursos Humanos, sendo que o seu director é um dos membros do conselho de gerência da empresa.
Como é valorizada a segurança dentro do grupo? É vista como uma mais-valia ou um custo?
Sempre foi vista como uma mais-valia à produção e mostra-o, todos os dias, evitando muitas paragens e prevenindo a ocorrência de incidentes ou acidentes. Ao estar presente 24/7, 365 dias, consegue responder rapidamente e fazer com que a produção seja reatada o mais depressa possível em caso de alguma paragem. Além disso, acompanha todos os trabalhos internos, tanto durante as paragens de fábrica no Verão e Inverno, como no dia-a-dia ou fins de semana. O acompanhamento desses trabalhos evita e previne, muitos problemas.
Existem sinergias com outras unidades do grupo ao nível da segurança? Trocam experiências entre si?
Sim, hoje muito facilitado com a internet e todos os portais internos existentes para esse efeito. Por exemplo, existe um intercâmbio de ideias mensal entre todas as fábricas do grupo, nomeadamente sobre as melhores práticas ou sobre problemas ocorridos.
Recentemente estive três dias em Wolfsburg, na sede do grupo, para a reunião anual com toda a organização de segurança de todo o mundo para debater, partilhar experiências e discutir os temas e novos desafios de segurança na componente física e digital.
Na Autoeuropa, contamos também com contactos mais próximos com a SEAT, em Martorell/Barcelona e com a Volkswagen em Pamplona, Navarra.
Há aqui, em Palmela, um centro operacional de segurança? Todas as fábricas têm um centro operacional?
Sim existe um centro de segurança na fábrica, porém, essa questão depende da dimensão das fábricas. Por exemplo, no Brasil, a fábrica central perto de São Paulo, convive com a administração para a região América do Sul, e tem o controlo sob outras três fábricas.
A cibersegurança está dentro das suas responsabilidades?
Não, temos um chefe de divisão de tecnologias de informação que responde pela parte da cibersegurança. Porém, estamos cada vez mais interligados. Na sede da Volkswagen em Wolfsburg, por exemplo, já existe um departamento de cibersegurança dentro da segurança corporativa.
Será essa a aposta que futuramente fará mais sentido?
Cada vez mais, devido aos riscos para as Organizações que advém deste tipo de crime. Quando há um problema a nível informático significa que pode ter havido um crime: intrusão, furto, etc. Por isso, cada vez faz mais sentido essa interligação.
Em relação ao safety e ao security que interdependências encontramos aqui?
Na Volkswagen, a segurança industrial e a segurança de fábrica sempre foram duas áreas com responsabilidades diferentes e bem definidas, mas a trabalhar lado a lado dentro do mesmo departamento. No dia a dia, existem interdependências, soluções e entendimentos discutidos em comum e partilha de experiências e informações.
A segurança é uma das grandes prioridades na fábrica logo na porta de entrada. A sabotagem e espionagem industrial são uma grande preocupação neste sector?
Sim, claro que numa indústria tão competitiva existe essa preocupação. O Grupo Volkswagen tem directrizes muito fortes nesse sentido e a questão do cargo crime, da contrafacção de peças ou da protecção de protótipos e informação estão sempre presentes no dia a dia.
Também temos uma atenção especial aos movimentos e grupos radicais que têm como alvo a Volkswagen e a indústria automóvel em geral.
As suas responsabilidades em termos de segurança vão até ao fornecedor?
Não. A Volkswagen tem a política de que só quando a mercadoria é colocada na fábrica passa a ser nossa, até então é da responsabilidade do fornecedor. Claro que falamos de peças Volkswagen, as quais se forem colocadas no mercado negro traduz-se num prejuízo para nós. Porém, quando detectamos falhas na chegada da mercadoria, alertamos o fornecedor e se for o caso ajudamos a investigar onde possam estar a ocorrer erros.
E dentro da fábrica?
Dentro da fábrica temos segurança física, câmaras, alarmes e zonas críticas ou de maior risco fechadas com cuidados especiais. Logicamente que há furtos e desaparecimentos de peças e, nessas situações, investigamos no sentido de percebermos se o problema ocorreu dentro ou fora da fábrica, e reagimos de acordo.
Face à realidade global do mundo, como é que a segurança responde a desafios como uma guerra ou uma pandemia de Covid-19, num mundo em acelerada mudança?
Todos os dias há novos desafios. Em relação à Covid-19 foi bastante interessante e desafiante coordenar, de repente e diariamente, as operações de forma a respeitar as regras de higiene e saúde e adaptar-nos aos novos regulamentos que saiam quase todos os dias. Recordo-me que a Volkswagen montou um sistema para distribuir máscaras por todas as fábricas e entidades do grupo. Fizemos uma espécie de ponte aérea com a China, produtora de máscaras, e tivemos aviões da própria empresa a transportar máscaras para a Europa e a distribuí-las, garantindo a continuidade do negócio. Foi desafiante pegar na nossa cadeia logística e colocá-la a transportar máscaras ao lado de peças automóveis.
Logo a seguir veio uma guerra que nos obrigou a repensar novas formas de reduzir (ainda mais) os consumos de energia, ou mesmo a parar a produção em certos períodos. Portanto, a Segurança tem a responsabilidade de assegurar a continuidade do negócio e tem de se adaptar e moldar a estes desafios de uma forma rápida.
Em temos dos desafios informáticos, a segurança acompanha essas transformações?
Sim, por exemplo, cada vez mais, fabricamos carros conectados e esse é o futuro. Portanto, há mais problemas com a segurança desses carros pois estão conectados por Wi-Fi, ou outros sistemas. O carro começa a ter muitas informações pessoais, como registos, impressões digitais, dados bancários, percursos efectuados, ou seja, o carro começa a ser um computador com quatro rodas. Todas essas informações são valiosas e estarão dentro de um objecto que à noite deixamos estacionado na rua, algo muito atractivo para um cibercriminoso.
Isso será um desafio…
Já é. A Volkswagen trabalha nesse tema afincadamente. Por isso, a importância de dar origem a novas empresas no Grupo como é o caso da Digital Solutions ou a aquisição da Cariad que permitiu ao grupo adquirir conhecimento e capital humano para fazer face a estes novos desafios
Falando em tecnologias e desafios actuais e futuros. De que forma, a tecnologia ajuda a vossa segurança?
Há um acompanhamento das novas tecnologias ao nível da segurança física, com as câmaras de vigilância, controlo de acessos, alarmes, entre outros, e ao nível dos bombeiros, com os novos sistemas de extinção de incêndios. Procuramos estar sempre actualizados com essas questões, bem como com a nova legislação, que exige uma adaptação de equipamentos. Por exemplo, na Alemanha já estão a proibir os espumíferos AFFF com determinado tipo de componentes, os quais começarão a ser proibidos na Europa e, muito brevemente, teremos de substituí-los aqui.
Também os novos produtos que estão a ser lançados pela indústria automóvel (veículos eléctricos e híbridos) e os novos riscos que podem trazer em termos de segurança, têm de ser acompanhados.
Repare-se que depois de décadas com a tecnologia baseada em motores a combustão e depósitos de combustível, estamos a passar a uma tecnologia baseada em motores eléctricos e baterias.
Quando escolhem um determinado sistema ou produto, nomeadamente ao nível da videovigilância, há uma preocupação com quem o fornece?
Sim, as empresas que concorrem têm de estar certificadas e respeitar toda a legislação em vigor. Essas exigências fazem parte de todas as condições de compra.
A segurança da Volkswagen convive com outras entidades e forças de segurança?
As entidades principais com quem contactamos e temos relações mais próximas, são as do município de Palmela, como a Câmara Municipal, ANEPC, Bombeiros e GNR.
Sobre os riscos que corre uma fábrica desta dimensão. Além da parte dos incêndios, que outros identifica?
O fabrico de automóveis está sempre em constante revolução em termos de novas tecnologias e equipamentos, o que leva a que a segurança seja uma parte obrigatória dos novos projectos. A segurança é chamada para dar o seu aval aos projectos em temas tão diversos como vias de evacuação, iluminação de emergência, sistemas de controlo de acessos, redes e vedações, etc. Além dos novos projectos, há uma rotina diária relacionada com a verificação dos carros de Bombeiros, extintores, sistemas de extinção, sistemas de alarme e sirenes de evacuação, sistema de CCTV, portas e fechaduras entre outros, de forma a assegurar que estes equipamentos se encontram em boas condições e a desempenhar a função para que foram instalados.
Que novos investimentos estão a fazer em áreas como a videovigilância, por exemplo?
Fazemos uma constante renovação desses equipamentos. Temos planos de investimento da fábrica a cinco anos e, nesse planeamento, previmos os investimentos necessários para renovação ou substituição de equipamento.
Que lema procura incutir aos elementos da sua equipa?
O nosso lema principal é a prevenção, ou seja, prevenir e evitar a ocorrência de incidentes para assegurar que a produção decorra o mais normalmente possível e sem paragens. Temos de prevenir e ser activos e não reactivos. A Segurança e os Bombeiros não estão aqui para apagar incêndios ou fazer relatórios sobre furtos ocorridos, mas sim, para evitar que eles ocorram.
E por último gostaria de salientar que sempre dizemos aos nossos colaboradores e parceiros que a segurança é uma responsabilidade de todos.
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