Segurança da aviação civil – 20 anos de evolução

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Por Natacha Sousa, Gestora de Segurança da SATA Internacional Azores Airlines e da SATA Air Açores

A evolução da segurança da aviação civil

O fatídico dia de 11 de setembro de 2001 criou um marco na história sobre a importância da segurança da aviação civil para a subsistência da aviação, desde então que a intenção dos perpetradores resultou na presença ativa de profissionais de segurança da aviação civil, como barreiras de proteção como ameaças internas e externas.

Pela primeira vez, na história da aviação, uma aeronave foi utilizada como arma contra civis daí a necessidade de assegurar a salvaguarda e proteção de forma permanente das pessoas e bens, através da combinação de meios técnicos e humanos, contra atos de interferência ilícita executados em terra ou em ar, e que ponham em causa a segurança da aviação civil.

Após os atos terroristas de 2001, a evolução do enquadramento legal daí resultante, relativo ao estabelecimento de regras comuns no domínio da segurança da aviação civil até à mais recente emenda do Anexo 17 da ICAO, demonstra a preocupação dos Estados, na criação e adoção de meios de resposta adequados e eficazes perante a rápida e crescente mutação dos métodos de ameaça, no sector do transporte aéreo. Esta evolução passa necessariamente pelo investimento em tecnologia, não obstante implica também a valorização estratégica das funções executadas pelos gestores e outros profissionais de segurança.

A segurança da aviação civil (security), ao contrário da segurança operacional (safety) é uma disciplina reativa, que evolui reativamente à evolução da ameaça e não de forma antecipada e preventiva.

A história relembra-nos que antes dos acontecimentos de 11 de setembro de 2001, não estavam previstos normativos que exigissem à indústria da aviação a implementação de medidas de rastreio a pessoas e bagagens eficazes, ou mecanismos controlos de acessos e de identificação de passageiros nos aeroportos de forma sistemática e consistente. Atualmente, pensar em viajar sem ser ter de passar por estas medidas de segurança é praticamente irracional.

A evolução da ameaça até à era digital

O terrorismo continua a ser uma das principais ameaças contra a aviação civil, e surge a partir de motivações diversas, sendo o grande atrativo da aviação, o impacto internacional que esta tem pela generalização da disrupção na ordem e na segurança dos estados.

A prática das ações terroristas, surge a partir da exploração das vulnerabilidades dos sistemas de segurança, a fim de alcançar a vantagem tática, que permita a prossecução da sua agenda.

Nos últimos 20 anos, o acesso às partes críticas das infraestruturas da aviação através dos métodos tradicionais, tem vindo a ser mais dificultado resultado da evolução regulamentar, da demanda tecnológica e da formação em matérias de segurança da aviação civil generalizada no momento do recrutamento.

Recorde-se por exemplo que, ainda hoje os passageiros são sujeitos a restrições no transporte de líquidos na bagagem de cabina, resultado de uma tentativa de ataque terrorista impedida pelos serviços de inteligência britânicos em agosto de 2006, que pretendia colocar explosivos líquidos transportados em latas de refrigerante a bordo de 10 aeronaves a partir de Londres, com destino aos Estados Unidos e Canadá; e ainda a evolução na lista de artigos proibidos para transporte para pessoas que não passageiros.

A evolução da ameaça fez sobressair a importância do fator humano na proteção e salvaguarda da aviação civil, atendendo que a exploração de partes fulcrais da integridade dos sistemas críticos da aviação passou também a ser feita com recurso a pessoas com acesso privilegiado às infraestruturas ou aos mecanismos técnicos que comprometam essas mesmas estruturas.

Marca-se aqui uma mudança de paradigma pois as táticas terroristas obrigam agora a considerar a ameaça interna (insider threat). A ameaça interna pode ser definida como quando um ou mais indivíduos com acesso e/ou conhecimento interno privilegiado usa, intencionalmente ou de forma não intencional, os seus privilégios para criar e explorar a sua organização para criar vulnerabilidades à segurança da aviação civil.

No setor do transporte aéreo a consistência da segurança da aviação civil depende fortemente da cooperação e do suporte que existe entre as diferentes áreas, logo entre as diferentes pessoas.

Não é possível uma aeronave descolar com os passageiros a bordo, se não existir a intervenção de uma infraestrutura aeroportuária, de uma empresa de manutenção, de um serviço de controlo de tráfego aéreo, de um prestador de serviços de limpeza, de combustível, de uma companhia aérea e de um prestador de serviços de assistência em terra…entre estes, tantas outras mais entidades contribuem para a operacionalidade do grande sistema que é a aviação civil.

Todas estas entidades do setor da aviação têm algo em comum: a necessidade de manter o sistema seguro. Esta necessidade, mais do que de tecnologia, regulamentação ou formação, necessita de pessoas para ser alcançada e mantida.

Hoje, as organizações são desafiadas a implementar políticas com enfoque na sensibilização e monitorização dos comportamentos das pessoas, o desafio é prever e sinalizar comportamentos disruptivos que coloquem em causa a segurança de uma organização, de um aeroporto, do sistema. E os países foram proativos a exigir este controlo, dentro da sua jurisdição, através da exigência de realização generalizada de inquéritos pessoais a todas as pessoas no momento do recrutamento, como forma a mitigar a potencial ameaça interna.

Contudo, será que estas estratégias de controlo e de monitorização estão a ser aplicadas de forma consistente? Qual o papel das autoridades da aviação civil na coordenação? Existirá partilha de informação suficiente entre os diferentes stakeholders envolvidos no processo? A resposta a estas questões não é objetiva e pretende somente assegurar que em matérias de segurança da aviação civil, os processos são morosos, evolutivos e muitas vezes condicionados por quadros normativos conflituosos em matérias de jurisdição.

Embora a tónica das décadas ante e pós 11/09 tenha incidido principalmente nos ataques físicos, a ameaça interna gerou novas possibilidades de exploração de ameaças, sem descurar o impacto humano e a disrupção socioeconómica causada por uma disrupção na aviação, em 2016, os incidentes no Aeroporto de Bruxelas provocaram o encerramento de aeroporto internacional provocando inúmeros cancelamentos que afetaram milhares de pessoas, sem descurar o impacto financeiro para o aeroporto, para as companhias aéreas e para fornecedores.

Com a era digital introduziu-se uma nova dimensão das ameaças que torna ainda mais desafiante o combate ao terrorismo na sua dimensão de ameaça interna – os ciberataques.

A dependência dos sistemas digitais nas operações de voo, controlo de tráfego aéreo e sistemas de reserva expôs vulnerabilidades que rapidamente podem causar constrangimentos em toda a operação e na integridade do sistema de segurança da aviação civil, como um todo, sem trazer uma exposição evidente para o perpetrador.

Como resultado, proteger a aviação contra ameaças cibernéticas tornou-se uma preocupação e um desafio para as entidades, incentivando uma ainda maior colaboração entre os profissionais de cibersegurança, profissionais em matérias de segurança da aviação civil e autoridades nacionais da aviação civil.